As regras para o descarte de produtos feitos de amianto estão entre as mais rigorosas da legislação brasileira. Desde 2004, quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) alterou a resolução sobre o tema, o amianto é considerado um resíduo perigoso, o que equivale a dizer que seu destino final precisa ser um aterro industrial. Some-se a isso o fato de que, por décadas, o Brasil se manteve como grande produtor, consumidor e exportador de produtos de amianto – em 2015, produziu 270 mil toneladas e consumiu 163 mil toneladas, de acordo com a International Ban Asbestos Secretariat (IBAS). É nesse contexto que fariam a diferença saídas menos dispendiosas para o descarte do amianto, especialmente se forem capazes de anular a toxicidade desse mineral.
“Pelo processo, conseguimos destruir a estrutura do amianto, rompendo completamente as fibras dele e, com isso, formando um novo material, que não tem a periculosidade do amianto”
É uma solução com essas características que é sugerida em uma tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2018. A proposta é um processo que promove o reúso do amianto por meio da transformação do mineral em fertilizante. O estudo do químico Roger Borges partiu da composição do amianto branco (crisotila) – que contém magnésio e silício, aproveitados por plantas – para obter um novo composto, resultante da mistura mecânica do mineral com um fertilizante solúvel.
A pesquisa indica que o composto obtido com a mistura funciona como fertilizante de longa duração e, possivelmente, como corretor para solos muito ácidos.
O estudo sugere que produtos de amianto podem ser misturados ao fertilizante solúvel com o uso de uma máquina chamada de moinho de bolas (ou esferas) de alta energia. A mistura pode ser feita com o amianto puro ou com materiais à base de amianto — caso da telha de fibrocimento, composta por cerca de 10% do mineral. “Pelo processo, conseguimos destruir a estrutura do amianto, rompendo completamente as fibras dele e, com isso, formando um novo material, que não tem a periculosidade do amianto”, diz Borges.
O pesquisador se refere à classificação tóxica do amianto (também chamado de asbesto), cujas fibras causam danos graves à saúde de trabalhadores da sua indústria. Por conta disso, a extração e a transformação do asbesto foram restringidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, depois de 13 anos de discussão. “O Brasil aboliu essa indústria tarde, então há muito material no mercado e será preciso dar novo uso a ele”, lembra Borges.
Atualmente, existem cerca de 3 mil produtos à base de amianto, em geral, fibrocimentos usados na construção civil, de acordo com o Observatório do Amianto. O principal desafio para o descarte desse material é sua resistência — justamente o motivo de a indústria do amianto ter se desenvolvido no mundo.
“O amianto é um mineral altamente resistente à desintegração, seja por temperaturas, abrasão ou quaisquer outros processos”, explica Fernando Wypych, professor do PPQG na linha de química de materiais e orientador da pesquisa, que está descrita na tese “Desenvolvimento de potenciais fertilizantes sustentáveis de liberação lenta a partir da ativação mecanoquímica de matrizes lamelares naturais ou sintéticas e mono-hidrogeno fosfato de potássio“.
Análise verificou proporção ideal
Para verificar em que ponto do processo mecânico proposto as fibras do amianto são destruídas, Borges usou principalmente duas formas de análise. Uma delas é a difratometria de raios X, uma técnica que verifica as fases (aspectos) dos compostos químicos. A segunda técnica é a microscopia eletrônica de varredura, que permite visualizar a estrutura de compostos.
Assim, constatou-se que, no processo, as fibras do asbesto são transformadas em nanotubos de crisotila de dimensões microscópicas. A proporção ideal dos materiais da mistura e o tempo de moagem estão desde 2016 em processo de patenteamento pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
O pesquisador destaca que o processo se apresenta como uma alternativa mais barata aos tratamentos disponíveis para descarte do amianto. Atualmente o mineral precisa ser descartado em aterros industriais ou decomposto termicamente, em um processo chamado de calcinação. Nele, o material é submetido a uma temperatura de 850 graus, durante duas horas, em um forno específico, para que se quebrem as fibras do asbesto.
Outra vantagem é que todos os componentes químicos que resultam da mistura podem ser usados como fertilizante. É o contrário do que ocorre na calcinação, em que são produzidos dois resíduos (óxido de magnésio e óxido de silício) pouco usados pela indústria.
Fertilizante menos solúvel, mais duradouro
A pesquisa indica ainda que a mistura ao amianto contribui para que o fertilizante solúvel se torne mais eficiente e menos poluente. Isso ocorre porque, de acordo com os testes, o amianto reduz a solubilidade do fertilizante.
O fato de ser solúvel é o que faz do fertilizante (no caso, o monohidrógeno fostato de potássio) um insumo pouco resistente a chuvas e com tendência a escoar para lençóis freáticos e demais corpos de água. Já os fertilizantes de longa duração mantém os nutrientes no solo por mais tempo. “A princípio, nos testes controlados, verificamos que o fertilizante que é criado pode ser usado em qualquer tipo de cultura”, afirma Borges.