Desenvolver minirredes com fontes de energia renováveis não convencionais é o objetivo central de um trabalho científico interdisciplinar realizado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), que reuniu diferentes frentes para construir, operar e controlar um microgrid, sistema composto por uma ou mais fontes de energia limpa distribuída. Pelo menos 19 professores da instituição se envolveram com a criação de novas tecnologias e métodos, pensando também em como ajudar a mitigar problemas ambientais.
As pesquisas foram financiadas por uma chamada pública intitulada “Eficiência Energética e Minigeração em Instituições Públicas de Ensino Superior”, lançada em 2017 pela Companhia Paranaense de Energia (Copel), que criou uma demanda tanto em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), quanto em Programa de Eficiência Energética (PEE). De acordo com o coordenador do projeto, professor Gustavo Oliveira, do Departamento de Engenharia Elétrica (Delt), enquanto uma das vertentes se ocupava em desenvolver ideias, metodologias e tecnologias originais, a outra podia ser efetivada em uma obra de engenharia (veja mais no box) eficiente.
Estudos buscam impactar no setor elétrico e fomentar a produção de conhecimento em torno do tema, que foi desmembrado em áreas que vão da arquitetura ao monitoramento de dados
Sistemas eficientes são aqueles que melhor aproveitam as diferentes fontes de energia, gerando economia e também benefícios ao meio ambiente. No caso da UFPR, estas pesquisas buscam impactar no setor elétrico e fomentar a produção de conhecimento em torno do tema, que foi desmembrado em áreas como arquitetura, tecnologias, energias alternativas, impacto ambiental, monitoramento de dados, entre outros. As ações estão localizadas em um empreendimento na própria instituição, mas também se espalham em perguntas de pesquisa que buscam soluções para diferentes realidades.
“Nós pensamos desde a aquisição de dados, até a interação da rede e tecnologias de operação do microgrid. As pesquisas se preocupam com um campo em ascensão, com a construção de infra-estrutura”, comenta Oliveira. “Um dos grandes desafios é justamente fazer com que uma equipe multidisciplinar que abrange vários setores da universidade trabalhe em rede”, explica.

Dois novo laboratórios de ponta começam a operar na UFPR por conta desses projetos em pesquisa e desenvolvimento. Além de servirem aos objetivos das pesquisas, também serão espaços de ensino, conforme explica o professor João Américo Vilela, do departamento de Engenharia Elétrica. Um deles, de geração distribuída, fará testes e avaliações de novas tecnologias em conversores estáticos, além de monitorar mais de 100 medidores de qualidade de energia de forma precisa e com dados centralizados. “Nós vamos ter o perfil de consumo da UFPR e mensurar as ações de eficiência”, explica.
Dois laboratórios de ponta concentrarão estudos sobre distribuição de energia e as microrredes, sistemas que permitem continuidade de alimentação da rede elétrica
O outro laboratório, de microrredes, é um dos mais modernos do país e se ocupa em estudar a geração e armazenamento que caracterizam uma microrrede — sistemas que permitem serviços para contribuir na melhoria da qualidade da energia elétrica e nos indicadores de continuidade. “Eles são uma alternativa, uma forma de se garantir a continuidade de alimentação da rede principalmente em áreas extremas, como a rural”, destaca.
Para isso, os pesquisadores planejam uma série de possíveis soluções, com sistemas combinados. “O objetivo é tornar a rede de distribuição de energia elétrica moderna e preparada para as novas necessidades, como a inserção dos carros elétricos”, informa. Um exemplo que ele utiliza para ilustrar a relevância da pesquisa é o de uma granja hipotética, de um pequeno produtor rural. A queda na energia pode comprometer a produção, daí a importância de se pensar em alternativas de operação. “Estes laboratórios serão utilizados em uma série de ações relevantes para buscar soluções para esse tipo de problema”, pontua.
Projetos integrados em torno da energia limpa solar
Uma das frentes da pesquisa desenvolvida na UFPR é executada pela equipe do professor Marlus Koehler, do Departamento de Física. Eles realizam um estudo experimental que investe em materiais alternativos para projetos de células solares – neste caso, materiais poliméricos. Em parceria com a professora Lucimara Stolz, do mesmo departamento, a investigação levou à instalação de células fotovoltaicas orgânicas, leves e transparentes, no prédio do Setor de Ciências Exatas, no Campus Politécnico da UFPR.
De acordo com o professor, as OPVs, sigla que identifica as placas, são uma alternativa às placas de silício, e se caracterizam como uma espécie de folha-filme nos projetos. Por enquanto, elas ainda têm eficiência menor e geram cerca de 20% a menos de energia, daí a necessidade de testar e melhorar seu desempenho.
“É um material muito flexível e muito leve, semelhante a uma folha de plástico, que pode inclusive ser enrolado”, explica Koehler. O produto vem sendo estudado desde 2006 e, no escopo do projeto das minirredes, a preocupação é entender, teoricamente, por meio de cálculos quânticos e simulações, como os materiais podem ser combinados para atingir a eficiência.
Uma das pesquisas pretende compreender o processo de “evaporação” dos filmes poliméricos que são usados em células solares. A simulação em computador permite que se antecipe as propriedades do material para saber se ele pode ser promissor, sem a necessidade de produzir o filme no laboratório. “Isso economiza tempo e material”, destaca.
Outra linha de investigação da pesquisa é conduzida pelo professor Aloísio Leoni Schmid, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Ele e sua equipe investigam a possibilidade de compatibilizar projetos de arquitetura e instalações fotovoltaicas. Segundo o professor, a maior parte das instalações começa com as construções já concluídas, o que gera perda de eficiência e também prejuízos estéticos.
“Nossa ideia é tentar compatibilizar projeto arquitetônico e instalação fotovoltaica”, explica. Para isso, uma das saídas é harmonizar as necessidades dos projetos com os recursos disponíveis. Na pesquisa, o professor e sua equipe atuam em duas direções: na implantação de um artefato que irá coletar dados da radiação solar sobre superfícies com diferentes orientações e na análise de bons exemplos construídos na Alemanha e na Suíça que conjugam eficiência e arquitetura.
Produção e uso do hidrogênio em células a combustível em Palotina
No campus da UFPR em Palotina, a equipe do professor Helton José Alves tem atuado com a produção e o uso do hidrogênio em células a combustível — dispositivo capaz de converter a energia química das moléculas de hidrogênio e oxigênio em energia elétrica — uma possibilidade para atenuar oscilações da usina solar em um sistema de minirredes.
“Há várias formas de produzir hidrogênio, como separá-lo da molécula de H2O ou a partir do gás natural. Nós escolhemos trabalhar com uma opção renovável envolvendo a biomassa, extraindo o hidrogênio do biogás”, explica Alves. O biogás é rico em metano e CO2, dois dos gases do efeito estufa. Quando em contato com o catalisador, inserido no reator desenvolvido pela equipe, as moléculas reagem e se produz o gás hidrogênio, que precisaria ser purificado.
O pesquisador lembra que o primeiro passo foi desenvolver o reator e o segundo foi sintetizar um catalisador adequado. Quando ambos operaram de forma estável, o estudo deu um passo além, já que está sendo construído um sistema de purificação para uso direto do hidrogênio na célula a combustível. “Nossa ideia é desenvolver e demonstrar uma tecnologia que não está disponível hoje”. A unidade piloto é capaz de alimentar a célula combustível (250 watts de potência) com cerca de 20 litros de hidrogênio por hora.

MAIOR USINA SOLAR DO PARANÁ E PRÉDIO PILOTO AUTOSSUFICIENTE, DUAS IDEIAS PARA O FUTURO
Ensino, pesquisa, extensão e inovação caminham juntas no Programa de Eficiência Energética (PEE) da UFPR. Financiado pela Copel e Aneel, o programa irá resultar em economias da ordem de R$ 1,5 milhões por ano.
Os números expressivos não param por aí. Segundo explica o professor João Dias, coordenador do programa, 56 mil lâmpadas convencionais foram substituídas, somente nos campi de Curitiba, por outras mais modernas e eficientes. Além disso, o projeto também contempla a implantação de uma Usina Fotovoltaica de 1,2 Megawatts – a maior do Paraná, situada no estacionamento do prédio de Biológicas, no Politécnico.
A usina alimentará prédio no Campus Politécnico projetado para ser autossuficiente em energia
“Essa usina é a maior usina do Brasil em uma instituição pública de ensino e pesquisa; maior Usina Solar Fotovoltaica em Carpot do Paraná; segunda maior do Paraná”, enumera Dias. O projeto ainda inclui a instalação de equipamentos que permitirão um maior controle e otimização dos gastos em todos os prédios da UFPR Curitiba, ações de etiquetagem implementação da norma ISO 50.001 de Gestão Energética, e a criação da Comissão Interna de Conservação de Energia (CICE).
O projeto foi executado pela Funpar, com participação do Departamento de Engenharia Elétrica, e Arquitetura da UFPR e Suinfra, envolvendo cerca de 500 pessoas. De acordo com Dias, trata-se de um recurso bem aplicado, pois, além de gerar economia, também permite que o espaço seja utilizado para fins pedagógicos e de inovação. “Com isso, geramos trabalho e também impacto social”, pontua.
A usina irá alimentar o prédio do Departamento de Engenharia Elétrica (Delt), no Campus Politécnico, projetado para ser autossuficiente em energia. Considerado “tubo de ensaio” do plano de gestão de energia que será estendido a todos os campi de Curitiba, o edifício é o primeiro a reunir as ações previstas em busca de economia e eficiência, com ensino e inovação: são lâmpadas de LED, medidores de energia “inteligentes” e abastecimento com energia solar.
“Esses projetos, além de fomentarem a pesquisa e gerarem economia de recursos para a UFPR, também visam contribuir para criar na universidade uma cultura de racionalidade no uso de energia”, explica o professor João da Silva Dias.

MODELAGEM COMPUTACIONAL AJUDOU A PREVER PROBLEMAS NA USINA DE JIRAU
Além de se preocupar com a geração e consumo de energia no seu próprio campus, pesquisadores da UFPR também estão atentos a problemas nacionais do setor elétrico. Um deles foi identificado na usina hidrelétrica de Jirau, localizada no Rio Madeira, a cerca de 120 km de Porto Velho, em Rondônia. Contemplados por um projeto de pesquisa regulamentado pela Aneel, um grupo de pesquisadores da UFPR criou um modelo com o objetivo de descobrir porque transformadores de potencial indutivo (TP) falhavam, gerando uma cadeia de gastos que poderiam ser evitados.
O impacto da pesquisa, além da inovação possibilitada por uma nova metodologia, poderá ser aproveitado em outras usinas e até mesmo pelos fabricantes do equipamento. O professor do Departamento de Engenharia Elétrica, Gustavo Henrique da Costa Oliveira, coordenador do trabalho, explica que a usina de Jirau é um das principais do país – e sua energia é responsável pelo abastecimento de outras regiões do Brasil.
A equipe da UFPR investiu no desenvolvimento de um modelo capaz de simular, com precisão, o que ocorre na subestação para provocar a falha nos transformadores
Localizado no Rio Madeira, o empreendimento tem como peculiaridade o fato de não necessitar de queda d’água para a geração de energia, já que é a força das águas do rio que suprem a demanda. A UHE começou a operar em 2013 e está entre as maiores do país, em capacidade instalada.
Os TPIs, que constituem o problema central de pesquisa da equipe da UFPR, são equipamentos instalados nas subestações das hidrelétricas, com o objetivo de medir a tensão em diversos pontos da instalação e informar à central de controle as condições de operativas da usina. “Se eles sofrem uma falha, isto é, param de operar, existe um impacto financeiro para a usina”, comenta Oliveira.
A subestação isolada a gás da usina, onde estão os TPIs, é o ponto que faz a interface entre a geração de energia e o sistema elétrico. No trabalho realizado pela UFPR, a área também passa por um processo de modelagem computacional.
A equipe da UFPR, que envolveu bolsistas de pós-graduação, investiu no desenvolvimento de um modelo capaz de simular, com precisão, o que ocorre na subestação para provocar a falha nos transformadores. O trabalho também inclui um módulo que permite que o TPI possa ser incorporado em um modelo da subestação. “Nós entramos como frente de trabalho para pensar em um modelo ultra fiel que pudesse ser incluído no modelo da subestação da usina, para que o conjunto fosse o mais próximo possível da realidade”.
O modelo, implementado em um software, permite que se chegue a conclusões sobre o problema e se aponte soluções, etapa de trabalho que ainda está em andamento. Para chegar até esse ponto, a pesquisa aplicou inovações metodológicas, com técnicas de medição das telecomunicações.
De acordo com o professor, a pesquisa tem potencial para contribuir com a melhoria na confiabilidade de equipamentos para o setor elétrico, além de ter rendido um aperfeiçoamento no estado da arte. “Fizemos o nosso papel, buscando produzir conhecimento a partir de uma aplicação bem palpável”, diz.
O estudo, em fase final, permite que se projete diferentes variáveis a partir da simulação. Além das inúmeras visitas a Jirau, os cientistas também viajaram para o Japão e a Coreia do Sul, em busca de informações sobre os fabricantes do equipamento.