Antes de despertarem profundas emoções e sentidos com a música que produzem, os instrumentos musicais nascem do trabalho de mãos habilidosas, que seguem técnicas específicas. Mesmo em um país conhecido pela musicalidade como o Brasil, ainda é pouco difundida a luteria, que é a arte de fabricar e reparar manualmente instrumentos feitos de madeira. Aumentar o escasso referencial teórico da área tem sido a meta de trabalhos de iniciação científica desenvolvidos no curso de Tecnologia em Luteria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a única graduação nessa área do Brasil, que completa dez anos em 2019.

Meta do projeto de pesquisa é aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento dos instrumentos, gerando um compilado teórico e histórico

Com base em estudos desenvolvidos no Laboratório de Acústica (Lac), coordenado pelo professor Thiago Corrêa de Freitas, o curso está prestes a concluir uma quadrilogia sobre instrumentos de acústica: violino, violão, guitarra elétrica e órgão de de tubo (comuns em igrejas). O objetivo do projeto, que surgiu há cerca de dez anos, é aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento dos instrumentos, gerando um compilado teórico e histórico que hoje um luthier (o profissional de luteria) teria dificuldade de encontrar no Brasil. Os estudos envolvem artigos científicos e um dicionário multilinguístico ilustrado, que destaca as peças dos instrumentos.

O primeiro artigo, escrito por Freitas, foi o que deu início à proposta. O texto aborda o violino e foi finalizado ainda antes do início da graduação na UFPR, devido à paixão do professor (físico de formação) pela luteria. Já com a iniciação científica instalada no curso, sob a coordenação de Freitas, estudantes de graduação passaram a pesquisar outros instrumentos. O violão foi o tema da então bolsista Monicky Zaczéski, que, já formada, reuniu resultados de pesquisa para publicar, em 2017, o artigo “Violão: aspectos acústicos, estruturais e históricos“, na Revista Brasileira de Ensino de Física.

Do violão, o projeto partiu para a guitarra elétrica, repetindo o que ocorreu na história. Segundo Freitas, na primeira metade do século XX, instrumentos com grande potência sonora, como os de sopro, abafavam o som do violão, causando a necessidade de amplificá-­lo, o que levou ao surgimento da guitarra elétrica.

Sobre violões, guitarras, violinos e órgãos de tubo

Atualmente os estudantes Erick Heidemann Leal e Matheus Mayer combinam esforços para estudar a guitarra elétrica. Enquanto Leal descreve funcio­nalidades e partes do instrumento, Mayer estuda o posicionamento dos captadores (peças que, em instrumentos elétricos, captam as vibrações mecânicas e as convertem em sinais elétricos) e se isso afeta a sonoridade da guitarra. Essa é uma questão comum entre luthiers.

“Ao construir uma guitarra no curso, fiquei em dúvida em qual posição exata deveria colocar as peças”, conta Mayer. O método do estudo tem sido instalar um trilho para que os captadores sejam deslocados e, assim, testar a sonoridade do instrumento por meio de um espectro sonoro gerado em computador. Na análise, são verificadas as frequências e a relação entre elas.

Os estudantes de Luteria Erick Leal, Matheus Mayer e Filipe Guimarães e, segundo à esq., o professor Thiago Corrêa de Freitas. Foto: Marcos Solivan/Sucom-UFPR, 2019
Os estudantes de Luteria Erick Leal, Matheus Mayer e Filipe Guimarães e, segundo à esq., o professor Thiago Corrêa de Freitas. Foto: Marcos Solivan/Sucom-UFPR, 2019

Para fechar a quadrilogia, o estudante Matheus Santos juntou documentos e registros sobre órgãos de tubo existentes na Região Metropolitana de Curitiba. Devido a essa pesquisa, já é possível saber que o órgão mais antigo da região pode ser encontrado na Igreja Terceira de São Francisco das Chagas e data do século XIX, sendo originário da Alemanha. Outra obra­-prima é o Cavaillé­ Coll situado na Paróquia Nossa Senhora da Piedade, em Campo Largo. O órgão foi construído na França e enviado para o Brasil em 1892. “É uma documentação importante para estudantes, comunidade, organistas, organeiros e admiradores”.

Freitas diz que os estudantes es­tão construindo a história do curso e deixarão marcas a futuros alunos. “Os trabalhos servem de embasamento e facilitam o diálogo entre instrumentista e luthier”. Para ele, a iniciação científica, ao aumentar a quantidade de informação disponível, tende a qualificar a atividade.

DICIONÁRIO ILUSTRADO SERVIRÁ DE GUIA PARA MÚSICOS E LUTHIERS

Fazendo a ligação entre os instrumentos musicais e as peças utilizadas para construí-los (dois temas importantes para luthiers), o estudante Filipe Guimarães trabalha, em nível de iniciação científica, em um dicionário multilinguístico ilustrado. O objetivo é facilitar a leitura de material didático em outros idiomas e também pesquisas para compra de ferramentas em fornecedores estrangeiros.

A iniciativa se justifica porque as partes dos instrumentos e ferramentas não têm nomes similares ou traduções óbvias em muitos idiomas. “A ferramenta lima, por exemplo, em inglês é chamada de ‘file’ que, traduzida ao pé da letra, também significa ‘arquivo’”, explica Guimarães. Partes de instrumentos também têm nomes pouco relacionados em inglês e português. Um exemplo: a mão do violão (parte mais acima, de onde saem as cordas do violão), em inglês, é conhecida como “head” (literalmente, “cabeça”), enquanto o braço (a parte mais fina, pela qual as cordas se estendem) é chamado de “neck” (em português, “pescoço”).

O estudante explica que as palavras não são comumente encontradas em dicionários multilinguísticos. “Algumas coisas tivemos que pesquisar em fóruns e sites de venda de produtos específicos para marcenaria e luteria”. Para facilitar as buscas, ele decidiu desenhar à mão livre todas as ferramentas e peças traduzidas. “É uma pesquisa da qual senti necessidade na prática e considero relevante”.

📖 Publicado originalmente na Revista Ciência UFPR (V. 4, nº 5, 2019).
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