“Etnomusicologia não serve apenas à música europeia, contempla a diversidade étnica” | Edwin Pitre-Vásquez Conversamos com o professor de música que fundou o Grupo de Pesquisa e Laboratório em Etnomusicologia da UFPR sobre como sua experiência como músico e produtor o levou à pesquisa

“Etnomusicologia não serve apenas à música europeia, contempla a diversidade étnica” | Edwin Pitre-Vásquez Conversamos com o professor de música que fundou o Grupo de Pesquisa e Laboratório em Etnomusicologia da UFPR sobre como sua experiência como músico e produtor o levou à pesquisa
Panamenho de nascimento, Pitre-Vásquez mora há 45 anos no Brasil e é o tipo de orientador que se abre para novos objetos de pesquisa em música: “Se eu acho que posso ajudar o pesquisador, digo ‘vamos’”. Foto: Acervo Pessoal

Se a etnomusicologia é a antropologia da música, a etnomusicologia dialógica é uma abordagem que amplia a transdisciplinaridade desse tipo de pesquisa. Assim, além do uso dos métodos tradicionais da antropologia para investigar a cultura no contexto das manifestações musicais, pode-se adotar os da estatística, da economia, da sociologia, da psicologia, entre outras áreas do conhecimento. É por essa linha que o Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem se destacado nos estudos sobre músicas folclóricas e populares.

Um exemplo é estudo que sugere que a prática do fandango — cuja história indica ter sido um tipo musical mais plural do que se pensa — pode ter desaparecido em Antonina (PR) com esse nome, mas permanece como herança na música caiçara da região. Outro exemplo é a pesquisa sobre as alterações regionais do Taiko, a música feita com instrumentos japoneses de percussão.

A linha de pesquisa foi iniciada em 2010 na UFPR pelo professor e pesquisador Edwin Pitre-Vásquez, que coordena o Grupo de Pesquisa e Laboratório em Etnomusicologia (Grupetno). Músico e produtor musical nascido no Panamá, mas há 45 anos no Brasil — e ainda com muito sotaque —, Pitre-Vásquez conhece as agruras do músico latino-americano, faça ele música comercial ou folclórica.

“O problema das políticas públicas para música começa porque não existe a profissão de música no Brasil”, afirma, com a propriedade de quem foi membro da banda de salsa Son Caribe, que inaugurou o Circo Voador, no Rio, em 1982.

Em sua conferência na 75ª Reunião Anual da SBPC, na quarta-feira (26), em Curitiba, Pitre-Vásquez falou sobre a etnomusicologia dialógica, tema também desta entrevista, onde tratamos também do caminho do maestro pela música.

Em que ano e como foi a sua mudança para Curitiba e quando se deu o seu envolvimento com a música folclórica das diversas etnias com representatividade na cidade? Como essa experiência impactou na sua pesquisa? Foi daí que surgiu a ideia de etnomusicologia ou a área fazia parte já do seu repertório de pesquisador?


Edwin Pitre-Vásquez | Eu estudei regência de orquestra [graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1983], fiz mestrado e doutorado na USP e pós-doutorado na Universidade Nacional Autônoma do México, a Unam. Com a etnomusicologia, tenho estudado a música em diferentes tempos e espaços. Pode ser música católica, candomblé, rock. 

Entendo que etnomusicologia não serve apenas à música europeia, mas contempla a diversidade étnica.

Em 2010, quando prestei concurso para professor na UFPR, essa experiência foi meu diferencial. O Paraná é um estado com um território guarani, migrantes poloneses, ucranianos e italianos, também argentinos, chilenos e bolivianos. Agora temos os venezuelanos. Você tromba com pessoas diferentes na rua, no trabalho.

O senhor entende que o Brasil é fechado à cultura latino-americana, incluindo a música?


EPV | Sim, existe esse Tratado de Tordesilhas. Uma linha reta, com o litoral brasileiro para Portugal e o interior do Brasil profundo para a Espanha. Ainda vemos uma coisa que tem a ver com um tratado retardado, uma sombra no Brasil. 

Antes de se tornar pesquisador Pitre-Vásquez trabalhou como músico e produtor. Na foto, toca baixo elétrico no 24º Festival de Inverno da UFPR, em 2014. Foto: Ana Lino/Proec-UFPR

Ao mesmo tempo, quando vou ao Nordeste brasileiro, por exemplo, vejo uma diversidade musical que não chega ao Sul. Estudo isso e meus alunos procuram estabelecer um melhor aproveitamento dessa riqueza musical. O Brasil é uma potência musical, que me surpreende desde que fiz minha primeira pesquisa, com música afro-brasileira e afro-caribenha. 

Mas, sim, existe um posicionamento [do Brasil] de dar as costas para a América hispânica. Dos anos 1930 aos 1950, se tocava muita música latina no Brasil. Bolero, chá-chá-chá, salsa. Pergunte a alguém com mais de 60 anos.

Depois da [campanha contra a] “Cuba comunista”, porém, creio que toda a música latina pagou o pato.

O que é etnomusicologia e como esses estudos podem ser usados na elaboração de políticas públicas e no aumento do conhecimento sobre manifestações culturais brasileiras?


EPV | A etnomusicologia dialógica tem uma base em diálogo, em transdisciplinaridade. A música é pensada em três aspectos. Primeiro, a espacialidade, onde é feita. Depois a temporalidade, quando é feita. E, por último, a intencionalidade. A música vem de dentro de um ser humano para outro ser humano. 

Em relação às políticas públicas, o problema começa porque a profissão de músico no Brasil não existe.

Quando cheguei ao Brasil, no Rio, tive que me associar à Ordem de Mùsicos do Brasil, mas não fazia muita diferença. O mesmo aconteceu em São Paulo e em Curitiba. É um problema que é impulsionado pela indústria. 

Os músicos poderiam ser mais valorizados no Brasil. Porque gênios o país tem. Penso em viabilizar um título de doutor honoris causa da UFPR para o arranjador Waltel Branco, que é de Curitiba. 

Perdemos recentemente o João Donato, que está no nível de um Tom Jobim. Foi meu maestro. Morou no México e fez muita música latina. Um cara que nasceu no Acre.

Muitos falam de uma padronização musical no Brasil devido à força econômica de alguns grupos musicais comerciais, como o sertanejo, que invadiu diversas festas populares onde antes se tocava forró e outros ritmos populares. Isso é um problema?


EPV | A gente percebe uma padronização em relação ao sertanejo no Sul e no Sudeste. Mas no Norte do Brasil as pessoas escutam reggae. 

O sertanejo tem seu valor como música caipira, que é genial. Só que também é preciso pensar que, para a indústria, a homogeneização é boa porque é barata. A comunicação [publicidade] tem outros interesses.

A pesquisa em etnomusicologia tem se diversificado no Brasil? Quais os avanços e quais os obstáculos?


EPV | O Grupetno abriu muitas possibilidades de parceria em pesquisa. Também fizemos uma linha de estudos para música rock produzida dentro do contexto social e cultural no Brasil e América Latina, com ênfase no Paraná, particularmente Curitiba [o no Grupo de Estudos UFPRock]. 

Já orientei 25 mestres e quatro doutores. Hoje tenho 13 orientandos. Quando me apresentam um projeto de pesquisa de um assunto diferente, eu não dispenso só por isso. Pergunto: “qual é a tua, do que você gosta?”. Se creio que posso colaborar, pego. E gosto que meus alunos sejam melhores do que eu.

➕ Leia mais detalhes no artigo Experiências de Gestão na Criação de um Grupo Pesquisa em Etnomusicologia, publicado no periódico Investigación administrativa.

Esta entrevista faz parte de uma série de conversas da Ciência UFPR com conferencistas da Universidade Federal do Paraná que estão na programação da 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Curitiba.
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