Como empresas tem conseguido gerar lucro vendendo produtos ou serviços que tem como objetivo resolver problemas socioambientais? É essa a pergunta que inquieta gestores e pesquisadores do campo da gestão que têm procurado compreender como isso, na prática, é viável e rentável.
As empresas contemporâneas têm se apresentado como um desafio tanto para gestores quanto para pesquisadores. As formas de organização e atuação de empresas e indústrias têm sido redesenhadas e resignificadas, apresentando à sociedade diferentes modelos de práticas de negócio que causam estranheza – e mesmo desconfiança – por falta de um entendimento sobre a forma de funcionamento e as estratégias usadas por essas organizações.
Esses modelos de empresas parecem desafiar gestores e pesquisadores, uma vez que rompem com os desenhos operacionais já consolidados e propõem-se a oferecer opções de negócio que parecem utopia.
Entre esses “novos” formatos de empresas estão os negócios sociais, que ofertam como produto ou serviço principal a solução para problemas sociais e/ou ambientais e obrigam os membros dessas organizações a pensar a prática cotidiana da organização pelo viés de lógicas que parecem ser conflitantes: a do negócio, voltado para o mercado e a busca do lucro, e a do social, com foco no benefício social – sendo este último o produto central e principal da empresa.
Antes de prosseguir com a discussão é preciso esclarecer que o que chamamos aqui de negócios sociais pode também ser conhecido ou nominado por uma infinidade de outras terminologias, tais como: empreendedorismo social, empreendimento social, negócio de impacto, etc.
Como conciliar objetivos aparentemente conflitantes
Os negócios sociais vêm ganhando a atenção da mídia e a imaginação do público porque, se baseando em modelos tradicionais de negócio, buscam solucionar problemas de cunho social, precisando trabalhar com dois objetivos que podem ser conflitantes: criar valor social e criar valor econômico. E é essa dualidade de lógicas que chama a atenção e torna tanto admirável quanto problemático o entendimento sobre os negócios sociais.
Tanto estudiosos quanto profissionais da área organizacional têm se dedicado a entender esses tipos de organizações, que buscam soluções baseadas no mercado para viabilizarem o desenvolvimento social de seu público alvo beneficiário, precisando trabalhar ainda com os interesses dos gestores.
Dados os desafios que o tema gera tanto para a prática da gestão quanto para o entendimento teórico do fenômeno, a partir da década de 1990 o tema começou a ganhar força no campo de estudo. Desde então discute-se intensamente os métodos baseados no mercado para resolver problemas sociais, no entanto, há muito espaço para pesquisa, dado a complexidade dos processos com que esses tipos de empresas precisam lidar.
Na prática organizacional resultados de mercado, e pesquisas, têm demonstrado que é possível sim criar, ao mesmo tempo, tanto valor econômico quanto social por meio de empresas. Sim, empresas. Não estamos falando aqui de Organizações Não-Governamentais (ONGs) ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
E obviamente, diante dessa afirmação, temos um questionamento muito comum em relação ao tema: como uma empresa consegue ganhar dinheiro vendendo uma solução social? Para sobreviver essas empresas precisam inverter o questionamento e pensar como podem fazer uso da lógica de mercado para garantir o atendimento de questões sociais e com isso obter lucro. Apesar de sutil, essa mudança de pensamento impacta diretamente na credibilidade da organização, uma vez que ela pode focar-se em ganhar dinheiro em detrimento do benefício social e não funcionar como um negócio social, ou então priorizar o benefício social e, dessa forma, não estar atuando como um negócio social sustentável.
O campo de pesquisas na UFPR
Encontrar trabalhos da graduação e pós graduação na UFPR sobre o tema não é difícil. A temática tem sido discutida em diversas áreas do conhecimento e principalmente nas Ciências Sociais Aplicadas.
Entre pesquisas reconhecidas pelo meio está o trabalho “Empresas atuantes na base da pirâmide e as suas contribuições para a sustentabilidade”, fruto da dissertação de mestrado do doutorando da UFPR Rodrigo Luiz Morais da Silva, sob a orientação do professor Farley Nobre. Os pesquisadores conquistaram o segundo lugar do Prêmio ICE 2016, concedido pelo instituto de Cidadania Empresarial, que tem como objetivo incentivar e reconhecer trabalhos acadêmicos sobre finanças sociais e negócios de impacto.
A pesquisa discute como o problema da pobreza afeta a sociedade, especialmente nos países em desenvolvimento ou emergentes. A intenção do trabalho dos pesquisadores foi analisar as empresas que atuam na base da pirâmide e como elas contribuem para as dimensões econômicas, sociais e ambientais da sustentabilidade.
Segundo os pesquisadores a lógica da Base da Pirâmide poderia auxiliar na regressão da pobreza, “por meio da oferta de produtos e serviços inovadores e adaptados à realidade dessas populações e através da adoção dos integrantes desta classe social como parceiros de negócios”.
Os pesquisadores lembram que ao mesmo tempo em que a Revolução Industrial auxiliou na melhora de alguns indicativos de qualidade de vida influenciou na acentuação de problemas como a escassez de recursos naturais, no aumento da poluição e da pobreza.
A pobreza, dentro desse escopo, é um dos pontos mais preocupantes para a sociedade, indicada por pesquisadores como “o mais grave e abrangente” problema encontrado em países em desenvolvimento. Dada a seriedade da questão, a pobreza foi incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, proposto pelas Nações Unidas em 2005.
Alguns casos estudados
Para realizar o estudo, Nobre e Morais selecionaram cinco empresa com distintas atuações: desenvolvimento e venda de alimentos; auxílio na regularização de terrenos ocupados irregularmente; confecção de papéis reciclados com acréscimo de sementes que são vendidos para campanha de marketing de grandes empresas; desenvolvimento de uma plataforma online para venda de artesanatos; e venda de produtos confeccionados a partir de seda, feitos com matéria-prima que seria descartada.
Cada organização foi analisada por meio de estudo de dados e com base em categorias de análise identificadas a partir da análise da literatura da área: imaginação expandida (1); produtos e serviços diferenciados (2) ; inovação em produtos, processos e serviços (3) ; relações diretas e de benefícios comuns entre as organizações e a base da pirâmide (4); modelos de negócios condizentes com a sustentabilidade ambiental e suas possíveis contribuições para com a sustentabilidade (5).
“A primeira delas trata a imaginação expandida ao destacar os aspectos estratégicos que poderiam ser analisados nessas organizações; a segunda categoria está relacionada com produtos e serviços diferenciados e adaptados para o atendimento das necessidades das comunidades pobres; a terceira busca levantar elementos de análise relacionados aos diversos tipos de inovações necessárias para o atendimento de populações Base da Pirâmide; já a quarta categoria de análise trabalha a questão dos benefícios sociais que podem ocorrer quando empresas decidem atuar junto às comunidades pobres do mundo, além dos benefícios econômicos para a organização; a quinta e última categoria de análise proposta neste modelo está relacionada com a necessidade de atendimento das questões ambientais”, explica Morais.
Analisando essas empresas os pesquisadores encontraram seis tipos de organização:
De acordo com Morais, a tipologia da empresa ajuda a descrever a orientação da organização e seu nível de comprometimento em relação aos fatores econômicos, sociais e ambientais, que, no campo das organizações, diz respeito à sustentabilidade organizacional e seu desenvolvimento sustentável.
OPERACIONALIZAÇÃO DO ESTUDO
Analisando as publicações de 1998 à 2005 o estudo compôs 21 critérios, agrupados em cinco categorias e que culminaram em seis tipologias de empresas atuantes na base da pirâmide. Além disso, os pesquisadores estudaram cinco empresas para verificação empírica do quadro analítico que desenvolveram.
Os pesquisadores explicam que o desenvolvimento desses critérios e categorias foram importantes para a pesquisa, uma vez que não há esforço anterior em sistematizar variáveis que orientem como essas empresas podem conquistar a sustentabilidade e atender às demandas sociais e impactar positivamente a pobreza.
Tomando por base esses critérios e a análise das cinco empresas objeto de estudo, Morais e Nobre sugeriram 21 critérios que podem orientar uma empresa e viabilizar a atuação em mercados formados por populações em desenvolvimento, ou seja, em mercados situados na base da pirâmide social.
Segundo os pesquisadores muitas organizações atuam de maneira tradicional, ambicionando vender seus produtos para a base da pirâmide, sem, entretanto, considerar as características e especificidades desse público. Ou seja, sem buscar um impacto real e positivo sobre a pobreza.
Além da premiação pelo ICE, o trabalho de dissertação desenvolvido no Programa de PósGraduação em Administração (PPGADM) da UFPR foi aprovado para apresentação em uma das mais importantes conferências sobre negócios, a Academy of Management (AOM), que será realizada em Chicago (EUA), e também foi aprovado para publicação no periódico científico Cadernos EBAPE (Qualis A2).