Pode parecer óbvio afirmar que a poluição atmosférica é responsável por inúmeros problemas ambientais, principalmente nos países que estão em desenvolvimento. No entanto, muitos governos ainda ignoram a dimensão da problemática, que mata anualmente cerca de 35 mil pessoas só na América Latina. Não à toa, pesquisadores da área consideram a poluição do ar o maior dos riscos ambientais da atualidade.

Cascas de árvores são um exemplo de biomonitor que tem sido usado para verificar a poluição do ar, pois acabam fixando os poluentes da atmosfera

Uma pesquisa realizada pelo Laboratório Móvel de Educação Científica (Labmóvel) do Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR), publicada em 2016 na revista Ecological Indicators, discute a poluição atmosférica pelo viés da vulnerabilidade social, resgatando o conceito de “justiça ambiental” — que diz respeito ao movimento social e político que busca a promoção da equidade em relação às políticas ambientais e aponta o caráter desigual de acesso das populações marginalizadas à proteção ambiental.

O estudo, intitulado “Atmospheric metal pollutants and environmental injustice: a methodological approach to environmental risk analysis using fuzzy logic and tree bark” (Poluentes atmosféricos metálicos e injustiça ambiental: uma abordagem metodológica à análise de risco ambiental com o uso de lógica fuzzy e cascas de árvores), concentrou-se na cidade de Paranaguá, na região portuária — área com potenciais emissores de poluentes, tais como motores de navios, caminhões a diesel e trens.

“O diesel, por exemplo, além de impactar na qualidade do ar, contribui para o desenvolvimento de asma e rinite. Além de outros problemas de saúde pública que também acabam impactando os cofres públicos”, explica Bruno Gurgatz, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo.

Medições da poluição em Paranaguá esbarram em custos de redes de monitoramento

Paranaguá abriga o maior porto graneleiro do Brasil, o Dom Pedro II. Paranaguá é a cidade da costa paranaense com maior relevância econômica para o estado e está localizada em uma das maiores áreas remanescentes da Mata Atlântica. Apesar de não ter grandes centros industriais em municípios vizinhos, a região apresenta condições ideais para estudos de impacto da poluição atmosférica — e a necessidade de acompanhamento das condições dessa poluição. Segundo Gurgatz, estudos recentes mostram que a cidade costeira apresenta níveis de doenças respiratórias próximos aos de grandes centros urbanos brasileiros.

Biomonitoramento é uma metodologia usada para avaliar a qualidade do ambiente por meio de organismos

No entanto, os custos de implementação de redes de monitoramento são altos — tanto quanto os da falta dessa fiscalização. Para romper essa restrição financeira, pesquisadores do Setor Litoral da UFPR — em parceria com o Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental (Inaira) e as universidades de São Paulo (USP), Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Londrina (UEL) — estudaram soluções alternativas, tal como o biomonitoramento, que consiste numa metodologia usada para avaliar a qualidade do ambiente por meio de organismos.

O acompanhamento da poluição atmosférica com o uso de biomonitores se dá por meio do uso de organismos vivos que acumulam poluentes em seus tecidos. Dessa forma, por estar no meio que recebe a poluição e absorvê-la, o biomonitor funciona como um “arquivo”, o que possibilita a quantificação laboratorial e o efetivo acompanhamento dos níveis de poluição.

Estudo propôs medir risco ambiental por meio de método estatístico alternativo

Os pesquisadores sugerem que as cascas de árvores são um exemplo de biomonitor que tem sido usado para verificar a poluição do ar, pois acabam fixando os poluentes da atmosfera. No entanto, apesar de confiável, o uso desse biomonitor apresenta algumas limitações, como a dificuldade em determinar o período exposto à poluição, a possibilidade de o poluente estar sendo absorvido pelas raízes, e a dificuldade em comparar a exposição da árvore com a de organismos humanos.

Gurgatz explica que “devido aos custos consideráveis da implementação de redes de monitoramento direto, alternativas como a biomonitoramento são uma abordagem interessante para avaliar o status ambiental de uma área específica usando organismos vivos ou suas partes, como o biomarcador, embora o uso da casca como biomonitor tenha vários problemas, tal como determinar o período de exposição e a sua correlação com a exposição humana. Portanto, é necessário o uso de uma lógica matemática complementar”.

Nesse contexto, o estudo realizado por pesquisadores da UFPR propôs fazer uso de um método estatístico alternativo aos tradicionais, conhecido como lógica “fuzzy” (ou lógica difusa), de fácil entendimento e com baixo custo de processamento, e que permite acompanhar de forma mais realista e gerenciar as limitações provenientes da coleta de dados via casca de árvores.

O grupo de pesquisadores explica que a intenção central da pesquisa foi desenvolver uma técnica que avaliasse o risco ambiental proveniente da poluição atmosférica, por meio de indicadores financeiramente acessíveis e que pudessem orientar políticas públicas. Além disso, o método viabiliza gerar informações para a sociedade de uma forma geral, dando subsídio para as pautas relativas à justiça ambiental.

Gurgatz explica que entre os resultados da pesquisa estão “indícios de que há um contexto de injustiça ambiental no município de Paranaguá, onde as famílias de menor renda estão distribuídas nas áreas com maior risco de exposição à poluição atmosférica”. Ainda segundo o pesquisador, “vários estudos já identificaram que, em geral, um menor status socioeconômico está relacionado à maior exposição a poluentes atmosféricos, o que não é diferente dos resultados encontrados nesta pesquisa”.

Os pesquisadores ainda lembram que “o estado atual da região é fruto de um modelo de desenvolvimento focado na exportação global de matérias brutas, que está fortemente conectado a criação de contextos vulneráveis por toda América Latina”.

📖 Publicado originalmente na Revista Ciência UFPR (V. 2, nº 3, 2017).
Tags:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *