Mais conhecido pelas doenças endêmicas de que é vetor no Brasil, o mosquito Aedes aegypti é resultado de uma evolução que, ao longo de milhões de anos, fez da fêmea da espécie uma perita em detectar sangue. Por meio de receptores nas antenas e nos palpos maxilares, o mosquito capta substâncias produzidas por mamíferos — entre elas, o dióxido de carbono, da respiração, e o ácido lático, da queima de glicose — e consegue se alimentar na época da reprodução, garantindo proteínas e ferro para viabilizar os ovos. Por isso o CO2 e o ácido lático são chamados de “pistas químicas” que guiam o mosquito para os seus hospedeiros.

Uma nova substância, em processo de patente pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), cria um método inédito para repelir o mosquito com base na própria estratégia evolutiva da espécie. Pesquisadores do Departamento de Química da UFPR desenvolveram uma molécula de ácido lático modificado que bloqueia temporariamente os receptores do inseto e o impede de seguir as pistas químicas do sangue.

“Dessa forma eu consigo ‘despistar’ o mosquito”, explica o professor Francisco de Assis Marques, do Laboratório de Ecologia Química e Síntese de Produtos Naturais (Lecosin) da UFPR. Ele coordena os estudos em que também atuaram duas pesquisadoras da UFPR, a mestranda Rita de Cássia Baiak e a doutoranda Nayana Cristina da Silva Santos (bolsista da Capes).

De acordo com o pesquisador, com base na literatura científica, o desenvolvimento da molécula — termo que os químicos usam para se referir a substâncias — significa a criação, em nível mundial, de uma quarta estrutura química com efeito de repelência ao mosquito para uso massivo. Marques lembra que a descoberta de novos repelentes de mosquitos é fator relevante dos últimos sete anos, quando a ciência constatou que um dos compostos químicos mais usados, o DEET, tem registrado queda de eficácia pela adaptação do Aedes aegypti a ele.

A molécula está sendo testada para o desenvolvimento de repelentes corporais, que é o produto dessa categoria no qual ela se mostrou mais eficiente. Segundo testes em laboratório, o repelente funciona com alta eficiência por cerca de dez horas, tempo que equivale à promessa de um produto de longa duração que já está no mercado brasileiro. No Brasil o inseto é responsável pela transmissão de dengue, chikungunya e zika.

Por que é “química verde”

Um diferencial do repelente do Lecosin/UFPR é que a inovação no método para repelir o mosquito permite dispensar solventes pelo menos na primeira etapa de produção. Solventes são substâncias que possibilitam reações químicas e que, no produto final, geralmente se convertem em sobras de potencial poluidor. Além disso, o solvente aumenta o custo de produção, já que é uma substância extra na lista de ingredientes que não é ativa para a finalidade do produto.

“O repelente é mais uma ferramenta para reduzir o impacto da dengue”

Francisco de Assis Marques, coordenador do Laboratório de Ecologia Química e Síntese de Produtos Naturais (Lecosin) da UFPR

“Estamos trabalhando para eliminar solventes também na segunda etapa da síntese do repelente. Se conseguirmos, será fenomenal. Porque isso significa a perspectiva de um produto de alta eficiência, natural porque é feito de uma substância que o corpo humano produz, biodegradável, disponível [com insumos acessíveis], de custo baixo e feita com reações químicas de baixo passivo ambiental”, avalia Marques.

Por conta dessas características, a UFPR depositou o pedido de patente de química verde ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

Possibilidade de menos custo para a saúde pública

A molécula do repelente foi desenvolvida no âmbito de um projeto formado por universidades estaduais e federais paranaenses sob coordenação da UFPR. O grupo foi criado em 2016, depois da aprovação em uma chamada pública do Ministério da Saúde que tinha como foco a prevenção e o combate ao vírus que causa a zika. O grupo continua investigando outras tecnologias relacionadas ao combate das doenças transmitidas pelo mosquito.

Por parte do Departamento de Química, estão sendo prospectada parceria internacional em uma pesquisa para ampliar o uso da molécula do repelente ao combate de outros mosquitos, como o gênero Anopheles, vetor da malária.

“O repelente é mais uma ferramenta para reduzir o impacto da dengue. O uso diário hoje é recomendado em cidades quentes e úmidas, com clima que beneficia a disseminação do mosquito”, afirma Marques. Ele destaca, porém, o fato de que o combate ao vetor da dengue precisa somar medidas amplas e contínuas de saúde pública ao longo do ano, não apenas durante os surtos, portanto é equivocado pensar em saídas milagrosas.

Segundo Marques, a ideia é que a molécula fique disponível para licenciamento, por iniciativas públicas e privadas, via Agência de Inovação da UFPR. Caso um ente público se interesse por formular produtos para o Sistema Único de Saúde (SUS), os inventores pretendem abrir mão dos royalties de patente. “Seria uma contribuição da universidade pública, da ciência que ela produz, para minimizar os impactos dessas doenças na saúde pública”, acredita o professor.

De acordo com dados do Portal Transparência, em 2020 o governo federal licitou repelentes para diversos órgãos, entre eles os ministérios da Defesa (para uso das Forças Armadas), da Justiça (para penitenciárias), da Saúde (para uso nos Estados) e da Educação (em hospitais universitários). Em uma licitação do Ministério da Defesa, em outubro, o valor foi de R$ 4.875,00 para 500 frascos de repelentes com duração de quatro horas (R$ 9,75 por unidade). Apenas em uma ação emergencial, em 2017, o Ministério da Saúde distribuiu quase 16 milhões de frascos de repelentes para conter a zika em gestantes.

↪️ Publicado originalmente no Portal da UFPR (www.ufpr.br).
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