Sistema sensor alerta para poluição em rios urbanos Projeto envolve comunidade de Curitiba para desenvolver monitoramento contínuo que ajuda na despoluição fluvial
Ponto do riacho Tarumã que recebeu o sistema de monitoramento. Na foto, o rio com sensores e a margem onde está posicionada, a caixa de controle e comunicação, que é o centro de comando dos sensores. Foto: Moncor/LAMMI/Acervo

O córrego Tarumã é um corpo d’água estreito — em média, cerca de dois metros de largura — que ao longo de pouco menos de dois quilômetros corta bairros residenciais na zona Leste de Curitiba, capital paranaense. Trata-se de um riacho urbano poluído, sem peixes, como há tantos no Brasil, inclusive batizados com o mesmo nome indígena. Todos com fama muito parecida.

“Moro aqui desde 1981. Criei meus filhos aqui e agora meus netos curtem o bosque [de Portugal] e as praças. Logo que cheguei, passou alguém aqui em casa com um abaixo-assinado para ‘esconder’ o rio. Imagina! Queriam canalizar”, conta Alda Hack, moradora do bairro Jardim Social e membro da associação de moradores do bairro.

A fala é um indicativo do contexto de quem vive nos arredores de um rio urbano: está no meio termo entre reconhecer os corpos d’água como de preservação permanente, mas também temer as consequências dessa proximidade, como risco sanitário e de inundação.

Diretamente ou não, essas questões são abordadas nas atividades de iniciação científica no projeto de Monitoramento Contínuo de Rio (Moncor), do Departamento de Energia Elétrica da UFPR. A intenção do projeto é avançar na tecnologia de monitoramento de rios por meio de sensores eletrônicos que apontam, em tempo real, mudanças como temperatura, nível, turbidez e impedância (condutividade) elétrica.

Sensores usam componentes eletrônicos para enviar informações que podem ser acessadas em tempo real. Foto: Marcos Solivan/Sucom-UFPR

Contando com esse tipo de informação, pode-se pensar em agir mais rapidamente para proteger as comunidades e os próprios rios, evitando problemas capazes de afetar a qualidade da água e auxiliando em planos de despoluição.

“Estudando as mudanças e as correlações entre esses índices, podemos compreender o que eles significam em conjunto”, explica o professor Eduardo Parente Ribeiro, coordenador do Moncor. Para isso, o projeto conta com uma rede de sensores espalhados pelo córrego, obtendo dados sobre a situação física do curso d’água.

As informações podem ser acessadas pela internet, em tempo real, por pesquisadores e moradores dos bairros no entorno do Tarumã.

O envolvimento da comunidade tem permitido a troca de informações valiosas sobre o cotidiano do riacho — se o cheiro aumenta, se apresenta espuma, entre outras variações. Os relatos podem ser enviados por e-mail e acessados no site do Moncor. A cooperação garante também que os sensores funcionem com a energia elétrica cedida pelo grupo de escoteiros do bairro, o São Luiz de Gonzaga.

“É uma vantagem dessa pesquisa ser ao mesmo tempo teórica e aplicada, e ainda ser feita junto à comunidade”, diz Ribeiro.

Em outras palavras: sabemos que o aumento da turbidez de um rio pode ser resultado de mais esgoto não tratado ou apenas de uma simples chuva. O aumento da temperatura, que também afeta a existência de vida nos corpos d’água, pode ter relação com aumento súbito de descarregamento irregular de substâncias. Ao estudar como as variáveis se comportam, os cientistas pretendem criar modelos mais específicos de monitoramento.

A condutividade elétrica, por exemplo, é um índice comumente usado no envasamento de água mineral porque indica a pureza da água, mas no projeto estão sendo testadas outras possibilidades de exploração como a medição de impedância elétrica em função da frequência.

Cientistas trabalham em kit de monitoramento de rios

O kit de monitoramento contínuo de rios do Moncor inclui sensores que ficam no rio conectados a uma caixa estanque que fica na margem. A caixa contém parte do circuito sensor, e o circuito de comunicação com as outras caixas com sensores ao longo do rio. A caixa principal recolhe os dados e os transmite, via internet, para a central de armazenamento na UFPR. Os sensores já posicionados no riacho medem nível, temperatura da água e do ar.

Já testados e aprovados, em breve serão instalados sensores de impedância elétrica e turbidez. O projeto também pretende desenvolver sensores de baixo custo para nível de acidez e basicidade (pH) e oxigênio dissolvido, ambos índices que medem a capacidade de um corpo d’água abrigar vida, entre outras questões.

Como iniciação científica, o Moncor oferece uma formação bastante ampla para estudantes de engenharia elétrica. Bolsistas e voluntários em geral se interessam pela parte central de desenvolvimento de sensores eletrônicos, mas acabam tendo que conhecer processamento de sinais, operação de equipamentos do Laboratório de Medidas, Magnetismo e Instrumentação (LAMMI) da UFPR e programação de software.

“O trabalho me interessou pois análise de sinais e sistemas foi uma área da graduação que me atraiu, então a iniciação científica me serviu para observar na prática o que eu via em sala de aula”, conta o estudante Carlos Stunpff, bolsista do projeto, que pesquisou sistema otimizado de medição de impedância.

A otimização significa que o sistema — composto pelo circuito e sua programação — seja mais simples e eficiente para funcionar em microprocessadores de baixo custo em relação à tradicional medição em laboratório.

Nos últimos anos, o Moncor possibilitou o desenvolvimento de duas patentes com a temática de monitoramento de corpos d’água. Uma delas, já concedida, é um sensor capacitivo à base de paina (fibra natural da árvore Chorisia speciosa) para a detecção de óleos em água. A outra é um transdutor (dispositivo que converte a grandeza física em elétrica) digital de baixo custo para a medição de nível de água em rios e reservatórios.

Sobre o Tarumã, o monitoramento que já dura cerca de dez anos tem mostrado períodos bons e ruins. O riacho tem problemas não apenas com ligações irregulares de esgoto, que atingem as galerias pluviais, mas especialmente com redes de esgoto antigas que se rompem e precisam de manutenção constante.

O único projeto de despoluição do córrego continua sendo o de iniciativa da Associação de Moradores e Amigos do Jardim Social (Ama-JS) que conta com a participação da Sanepar e da Prefeitura de Curitiba. Com a ajuda do riacho, porém, o desenvolvimento do projeto de monitoramento contínuo tem conseguido compreender muito mais sobre as condições dos rios urbanos.

Para ampliar as análises de indicadores, o Moncor estuda levar uma segunda operação para o córrego Aviário, que faz parte da bacia do rio Belém — que reúne os rios com mais problemas de poluição de Curitiba — e corta o Centro Politécnico da UFPR, também na zona Leste, se estendendo por mais de 17 quilômetros.

📖 Publicado originalmente na Revista Ciência UFPR (V. 6, nº 7, 2023).
Tags:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *