O Brasil tem despontado como um dos destaques na geração de energia de fontes renováveis, apontada como a grande solução para os impactos ao meio ambiente e o esgotamento dos modelos baseados em combustíveis fósseis, como o petróleo. Segundo os dados da Agência Internacional de Energia (IEA), o país é o terceiro maior gerador deste tipo de energia no mundo, sendo um dos líderes na produção com baixos níveis de emissões de poluentes.

UFPR desenvolve uma série de projetos e pesquisas relativos a energias renováveis com o propósito de aproveitar recursos naturais inesgotáveis

Uma das responsáveis por este resultado é a geração hidráulica, que historicamente dominou a matriz de energia brasileira e corresponde a 68,1% da oferta interna, segundo balanço da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Outro fator importante é a segunda posição que o país ocupa na produção de biocombustíveis, como o álcool. Além disso, o Brasil também é destaque na geração eólica, ocupando a posição de oitavo maior produtor mundial.

A disponibilidade e a acessibilidade são os grandes benefícios das fontes de energia renováveis, pois esses recursos são abundantes, inesgotáveis e muito menos poluidores. Para popularizar o seu uso, são necessárias tecnologias capazes de transformá-los no produto final de maneira economicamente viável, o que tem sido um desafio constante. Contudo, os avanços tecnológicos, as pesquisas científicas e um mercado competitivo, além do aumento da base de desenvolvedores de projetos nesta área, tem levado à redução de custos e a uma maior acessibilidade a esse tipo de energia.

Preocupada com o futuro e acompanhando o contexto global, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolve uma série de projetos e pesquisas relativos a energias renováveis contemplando, inclusive, uma graduação em Engenharia de Energias Renováveis (Setor Palotina), além de pós-graduação e MBA na área. As iniciativas neste campo visam desenvolver propostas alternativas às fontes de energia tradicionais, buscando aproveitar de várias maneiras os recursos naturais inesgotáveis que o planeta proporciona.

A necessidade de diversificação da matriz energética

A entrada eminente de uma nova frota de veículos elétricos no mercado, já anunciada por vários países para os próximos anos, reflete a preocupação com o meio ambiente, o que tem levado essas nações à substituição dos combustíveis fósseis.

De acordo com o coordenador do Laboratório de Catálise e Produção de Biocombustíveis (LabCatProBio) da UFPR, do Setor Palotina, Helton José Alves, a substituição de fontes fósseis por renováveis é inevitável, principalmente quando se considera que as reservas de petróleo são finitas e que há uma necessidade evidente de diversificar a matriz energética mundial. “Neste sentido, o hidrogênio tem sido considerado como o combustível mais limpo num futuro próximo”, comenta.

Camarão de água doce – espécie Macrobrachium amazonicum. Foto: Jonathan Vera Caripe

Alves explica que o hidrogênio pode ser extraído de diversas fontes (renováveis e não renováveis), sendo que a biomassa – matéria orgânica, de origem vegetal ou animal, utilizada na produção de energia – é uma das mais promissoras por ser renovável e de grande disponibilidade em vários países do mundo, como o Brasil. “O uso do hidrogênio em células a combustível – dispositivos que convertem energia química em energia elétrica – tem viabilizado uma das formas mais eficientes de geração de energia. Acredita-se que o carro elétrico seja um salto para a implantação futura do carro movido a hidrogênio em larga escala, uma vez que o carro a hidrogênio possui um motor elétrico”, esclarece.

De acordo com os pesquisadores do LabCatProBio, o biogás resulta da fermentação anaeróbia – processo natural realizado em micro-organismos –, sendo composto majoritariamente por metano e dióxido de carbono. Dentre as várias aplicações do biogás na área energética, uma que se destaca é sua reforma para a produção do gás hidrogênio, um combustível de elevada capacidade energética e baixíssimo impacto ambiental, podendo ser utilizado em células a combustível, agregando maior valor econômico e energético ao biogás.

Por ser renovável, a biomassa (de origem vegetal ou animal) é uma forma promissora de produzir energia não poluente

O laboratório atua em projetos que envolvem a reforma catalítica do biogás para a produção de gás de síntese rico em hidrogênio renovável. “O principal processo utilizado para a produção do elemento no mundo é o de reforma catalítica a vapor do gás natural. Neste sentido, quando o biogás é purificado para a redução do teor de dióxido de carbono e do sulfeto de hidrogênio, possui características muito parecidas com as do gás natural, o que pode viabilizar sua reforma para a produção de hidrogênio”, dizem os pesquisadores.

De acordo com o estudo, esta rota possibilita o uso mais nobre para o biogás, o que agrega valor ao produto pelo fato de o hidrogênio ser o combustível que apresenta o maior poder calorífico por unidade de massa conhecido, além de este ser utilizado em processos de alta eficiência energética, como nas células a combustível.

Outro projeto desenvolvido pelo grupo tem o foco na produção de bio-hidrogênio a partir de uma biomassa residual – resíduos industriais – na presença de bactérias acidogênicas. Esse grupo de bactérias é responsável pela transformação de lipídios, proteínas e carboidratos em ácidos graxos de cadeia curta, como acético, propiônico e outros, álcoois, dióxido de carbono e hidrogênio.

O Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, em parceria com uma empresa curitibana que comercializa células a combustível financia uma iniciativa do laboratório que visa converter cataliticamente o biogás em metanol renovável. O biometanol é um líquido incolor, volátil, inflamável, tóxico e apresenta odor alcoólico levemente adocicado, sendo o mais simples dos álcoois.

As propriedades do biometanol produzido por catalisação de biomassa não são distintas, em composição química, do metanol produzido com matéria-prima não renovável. A diferença reside no processo de fabricação e no menor impacto que ele provoca ao meio ambiente. Como o biometanol é produzido com matéria-prima renovável, temse menor emissão de carbono e outros gases na atmosfera.

Quitosana e nanoquitosana aplicadas ao uso do hidrogênio

O LabCatProBio também atua na obtenção de biopolímeros – quitosana e nanoquitosana – a partir de carapaças de camarão para aplicações como material multifuncional nas áreas de energias renováveis (células a combustível) e ambiental (elemento filtrante).

Nos tubos de ensaio, as fases do processamento da carapaça do camarão para obtenção da quitosana. Foto: Marcos Solivan/Sucom-UFPR

Alves conta que o estudo do laboratório nessa área começou em conversas com o professor Eduardo Luis Cupertino Ballester que atuava, em 2012, junto ao Curso de Tecnologia em Aquicultura no Campus Palotina. Ballester tem vasto conhecimento sobre a produção de camarões de água doce da espécie Macrobrachium e busca difundir a atividade de carcinicultura (criação de crustáceos) na região oeste do Paraná.

“Existia uma grande preocupação com os resíduos gerados pelo crescimento desta atividade, já que 40% da massa total industrializada do camarão é descartada na forma de resíduo sólido. Assim, em conjunto com as professoras Mabel Arantes e Graciela Inês de Bolzón Muniz, surgiu a ideia de aproveitar as carapaças dos camarões para extrair a quitina, que é o segundo biopolímero – polímero produzido por organismos vivos – mais abundante no planeta”, explica o pesquisador.

Um dos projetos da área tem foco no uso de membranas de quitosana como substitutas do Nafion, um polímero proveniente do petróleo utilizado em células a combustível do tipo PEM (proton- -exchange membrane), com membrana polimérica trocadora de prótons. A carapaça do camarão é constituída por aproximadamente 20% em massa de quitina, o que a torna uma importante fonte natural deste biopolímero.A partir da quitina, por meio de processos químicos simples, é possível obter a quitosana que, por sua vez, é um biopolímero muito versátil, com diversas aplicações. O coordenador do laboratório conta que, para atender a esta demanda, foi implantado um projeto de extensão no qual alunos de diversos cursos do Setor Palotina auxiliam na coleta de carapaças de camarão de água doce, utilizadas na produção de quitosana, evitando o descarte no meio ambiente que causa uma série de impactos ambientais.

Quitina das carapaças é usada para obter quitosana, que substitui um derivado do petróleo em células combustíveis

O processo de obtenção das membranas de quitosana realizado pelo laboratório constitui-se, primeiramente, do isolamento da quitina – por meio de etapas como a desmineralização, desproteinação e despigmentação – que em seguida deve ser processada pela reação de desacetilação para a formação da quitosana.

“Podemos dizer que as células a combustível são dispositivos que convertem energia química em energia elétrica. A quitosana, por possuir grupos químicos do tipo amino, atua na condução de prótons H+ provenientes do hidrogênio (combustível) que, em contato com o oxigênio do ar, produzem água e energia elétrica. As membranas de quitosana com espessura que variam entre 20 e 100 micrometros estão sendo estudadas para esta finalidade no intuito de substituir o Nafion”, explica o pesquisador.

Material com melhor custo benefício

As células a combustível têm um elevado potencial de eficiência energética. Contudo, os materiais como catalisadores e eletrólitos – que compõem as células – possuem altos custos, limitando a sua produção em larga escala. “Uma célula a combustível poderia ser ainda mais interessante do ponto de vista ambiental pelo uso de materiais mais sustentáveis e de hidrogênio renovável, ou pela descentralização de sua produção devido à maior versatilidade quanto às matérias primas utilizadas”, avalia Alves.

É por esse motivo que o laboratório estuda e desenvolve novos recursos para serem utilizados nesse método, buscando matéria-prima de baixo custo. Até o momento, pesquisas realizadas pelo LabCatProBio apontam que a quitosana produzida no laboratório (a partir do processamento da carapaça de camarão), proporcionou a obtenção de um material com características superiores a algumas quitosanas comerciais.

Hidrogênio das microalgas

O fotobiorreator tubular compacto desenvolvido pelo NPDEAS tem 12 mil litros de capacidade e articula 3,5 quilómetros de tubos transparentes arranjados em um espaço de dez metros quadrados. Foto: André Filgueira/Sucom-UFPR
O fotobiorreator tubular compacto desenvolvido pelo NPDEAS tem 12 mil litros de capacidade e articula 3,5 quilómetros de tubos transparentes arranjados em um espaço de dez metros quadrados. Foto: André Filgueira/Sucom-UFPR

A obtenção de hidrogênio também é uma preocupação do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Energia Autossustentável (NPDEAS). O núcleo tem se destacado pelo sistema de fotobiorreatores para produção de microalgas, utilizadas especialmente para a produção de energia.

O fotobiorreator tubular compacto desenvolvido pelo NPDEAS tem 12 mil litros de capacidade e articula 3,5 quilómetros de tubos transparentes arranjados em um espaço de apenas dez metros quadrados. O equipamento, que possui patente no Brasil e nos Estados Unidos, permite o crescimento de microalgas sem a injeção de CO2 de origem fóssil. As principais vantagens do reator em comparação com outros modelos é o melhor aproveitamento do espaço e a não contaminação dos tanques. Os biorreatores tradicionais costumam ocupar vastas áreas, além de manter o contato com o seu entorno, o que leva a constantes interrupções na produção devido à contaminação.

Um trabalho apresentado em 2017 na Pós-Graduação em Engenharia e Ciência de Materiais da UFPR dimensionou a geração de hidrogênio por meio destes fotobiorreatores. As microalgas, já adaptadas ao clima de Curitiba, além de produzir hidrogênio também fixam gás carbônico no processo de fotossíntese, um dos principais gases do efeito estufa.

O estudo, realizado por Fernando Gallego, sob orientação do professor José V. C. Vargas, um dos especialistas do NPDEAS, desenvolveu um modelo matemático que, por meio de correlações biológicas e de engenharia, considera as dimensões geométricas dos fotobiorreatores, as concentrações de nutrientes e a energia solar disponível. Esse modelo, que foi testado experimentalmente, otimiza, dentre as milhões de combinações possíveis, as características que resultam na maior produção possível do gás hidrogênio.

Como consequência imediata, pode-se apontar a possibilidade de produção de hidrogênio em escala piloto pelo NPDEAS. Além da introdução do conceito de produção descentralizada de hidrogênio.

O trabalho contou com a co-orientação dos professores André Bellin Mariano, do departamento de Engenharia Elétrica da UFPR, e Juan Carlos Ordonez, do Departamento de Engenharia Mecânica da Florida State University (EUA).

Inovação em biocombustíveis

O Laboratório de Catálise e Produção de Biocombustíveis está inserido no Setor Palotina e iniciou suas atividades no ano de 2011. Desde então atua em projetos nas áreas de Materiais e Energia.

Possui forte vínculo com o Parque Tecnológico de Itaipu (PTI) e é parceiro do Núcleo de Pesquisas em Hidrogênio (NUPHI), participando de projetos vinculados ao desenvolvimento de materiais para células a combustível e produção de hidrogênio renovável a partir da biomassa.

Junto com o Laboratório de Análises de Combustíveis (Lacaut) – coordenado pelo professor Carlos Itsuo Yamamoto – e com o Laboratório Central de Nanotecnologia (LCNano) da UFPR – coordenado pela professora Graciela -, o LabCatProBio executa projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I).

Também atua em parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás) em projetos relacionados ao uso e ao armazenamento de biogás/biometano, caracterizando e testando materiais e desenvolvendo novas tecnologias.

Enquanto laboratório multidisciplinar, já passaram por ele alunos de quase todos os cursos ofertados em Palotina. Apesar de o eixo principal do laboratório estar mais próximo do curso de Engenharia de Energias Renováveis, há uma grande interação com pesquisadores vinculados à área de Aquicultura em projetos relacionados à obtenção de quitosana, bem como, à qualidade de água.

“Este tipo de interação é fantástica, vez que a forma de abordar determinado problema em um projeto de pesquisa é diferenciada, sendo possível unir vários pesquisadores que possuem um vasto conhecimento em suas áreas de atuação, o que normalmente nos permite chegar mais rápido à resolução do problema ou até encontrar soluções inovadoras”, destaca o coordenador.

(Por Simone Meirelles)

UFPR terá maior parque solar do PR

Painéis fotovoltaicos serão instalados em campus de Curitiba até 2018 para geração de energia. Foto: Wilson/Agência Brasília
Painéis fotovoltaicos serão instalados em campus de Curitiba até 2018 para geração de energia. Foto: Wilson/Agência Brasília

Até o fim de 2018 duas usinas solares estarão em funcionamento na UFPR, uma com 3.160 painéis fotovoltaicos e outra com 540, formando o maior complexo de geração de energia solar do Paraná. O sistema cobrirá uma área de 7 mil metros quadrados no campus Centro Politécnico. As iniciativas integram um conjunto de projetos elaborados por uma equipe de pesquisadores de diversos departamentos da universidade e financiados quase na sua totalidade pela Companhia Elétrica Paranaense (Copel) por meio de três chamadas públicas. A maior das usinas gerará mais de 1,1 mil megawatt-hora por ano. Esta capacidade é suficiente para alimentar 590 residências, considerando o consumo médio de energia elétrica no Brasil, de 159,8 quilowatts-hora ao mês.

Além da geração, os projetos preveem o aumento da eficiência energética da universidade, serão instalados medidores em cerca de 100 edifícios da instituição e efetuadas a troca de 55.280 lâmpadas fluorescentes por lâmpadas LED. No escopo dos projetos ainda estão previstos recursos para pesquisas em diversos campos do conhecimento.

Os investimentos, que giram em torno de 19 milhões de reais, além de contribuir para a geração de energia limpa e sustentável, vão possibilitar uma economia anual de 1,46 milhão de reais para a instituição.

📖 Publicado originalmente na Revista Ciência UFPR (V. 3, nº 4, 2018).
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