Em meados dos anos 1970, o pátio da Reitoria ainda servia de estacionamento e a maior parte das paredes do Edifício Dom Pedro I se mantinha branca, sua cor original. Mas isso estava prestes a mudar. A década marca o início de uma mudança perceptível para a comunidade acadêmica não só na dinâmica entre professores e alunos, mas também na forma de ocupação dos espaços da UFPR.
Uma dessas pequenas reformas foi presenciada pelo professor Dalton Luiz Razera, aluno da primeira turma de Comunicação Visual, iniciada em 1975 — curso que, juntamente com os de Design Industrial e de Educação Artística, seria mais tarde reestruturado para dar origem aos cursos de Design Gráfico e de Design de Produto.
Tudo começou com o desenho de um balão de ar quente e do avião 14 Bis, de Santos Dumont, na parede do oitavo andar em frente ao elevador para alunos. A intenção era ajudar na pronta identificação do andar, uma vez que os corredores do prédio eram todos parecidos.
“Assim começou uma tradição de propor desenhos para as salas de aula, que se estendeu às paredes internas do prédio. Foi uma revolução espacial”, conta Razera.
A partir dessa experiência, as salas de aula de diversos andares passaram a ter interferência dos alunos, que usavam pinturas para criar uma identidade para as turmas. Fora as pinturas, os cursos de Design também deram o argumento para a reinvenção do espaço do térreo do prédio, nos anos 1980, quando foi criada uma sala de exposições que permanece até hoje.
A história dos espaços de uma universidade é antes de tudo uma história de reinvenção constante — de cursos que são criados, reinventados e extintos, de demandas que aumentam e diminuem. No Complexo Reitoria, essa movimentação pode ser expressa em alguns números. Em 1959, um ano depois da inauguração do complexo, um censo registrou que 692 alunos de graduação estavam matriculados em cursos do campus — cerca de 20% da universidade inteira.
Em 1972, já estava registrado crescimento considerável no número de matriculados: o campus reunia quase 3,1 mil alunos matriculados, o que representava em torno de 35% do total. No mesmo ano, um decreto criou três setores básicos e cinco setores profissionais na universidade, entre os quais os setores de Ciências Humanas, Letras e Artes e o de Educação, sediados no Complexo Reitoria.
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A classificação ajudou a consolidar a série de reestruturações dos cursos originalmente iniciados no campus por meio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e da Faculdade de Ciências Econômicas. O pontapé inicial foi em 1961, com a fundação do Centro Politécnico. Partiram para o Politécnico, por exemplo, os cursos de Ciências Biológicas (antigo curso de História Natural) e o de Geografia, antes uma graduação que agregava duas áreas (História e Geografia) (1).
A maioria dos cursos da Faculdade de Ciências Econômicas, por sua vez, foi abrigada no Campus Botânico, inaugurado em 1994. Houve reestruturações ainda nos anos de 2013, com a ida do curso de Comunicação Social para o Campus Cabral, e, mais recentemente, em 2018, com a abertura do Campus Rebouças, que passou a acolher o curso de Turismo e parte do Setor de Educação (2).
Campus sobreviveu ao plano da “Cidade Universitária”
As sucessivas reorganizações são indicativos de que a ocupação do espaço na universidade federal é movimentada desde o início. Como registra Cecília Maria Westphalen, a compra do terreno de 6,7 mil metros quadrados onde foi instalado o Complexo Reitoria — autorizada pelo Conselho Universitário em junho de 1952, por dez milhões de cruzeiros em recursos da universidade — fez parte de um extenso pacote de obras da gestão que, ao suspender a ideia de uma Cidade Universitária em Curitiba, se mostrou decisivo para a organização do espaço em diversos campi (3).
Essa característica acrescentou peculiaridades à disputa por metro quadrado, muito comum em universidades públicas e, por vezes, acirrada — à base de “cotoveladas”, na descrição de alguns.
A despeito dessas mudanças, porém, a criação de novos cursos e habilitações, além da adequação da universidade à demanda social, contribuíram para que o número de matrículas no Campus Reitoria se mantivesse relativamente estável em relação aos anos 1970, mesmo com a migração de cursos. Assim, em 2017, o registro era de 3,5 mil matriculados nos cursos de graduação em funcionamento no campus, dos quais 812 em cursos do Setor de Educação e 195 no curso de Turismo (4).
Assim como os espaços, o perfil de quem os ocupa também mudou. Em 1950, mais da metade dos professores da Universidade do Paraná eram catedráticos. Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, muitos eram fundadores de suas cátedras. Oito anos depois, a universidade contava com 492 professores, dos quais 91 lecionavam no curso de Filosofia e 31 no de Ciências Econômicas.
Os catedráticos são substituídos por docentes
Com os concursos públicos, exigidos com a federalização, o percentual de catedráticos reduziu gradualmente. Na década de 1970 surgiram os primeiros cursos de pós-graduação sediados no Complexo Reitoria: o pioneiro foi o de História, em 1972, seguido do de Letras e do de Educação. Também foi em História o primeiro doutorado instalado no campus, em 1982 (5). Em 2017, cerca de dez programas funcionavam no complexo, com 2,5 mil alunos matriculados (950 no Setor de Educação).
É preciso registrar também a mudança no perfil do corpo discente, cujos detalhes antes mal apareciam nos relatórios anuais fora dos indicadores clássicos — procura por curso no vestibular e taxa de evasão, por exemplo. Em períodos mais recentes, porém, esse dado passou a ser destrinchado. Por conta disso, percebe-se que a maioria dos aprovados no vestibular (para todos os campi) continuam moradores do Paraná, mas cada vez mais de cidades do interior. Em 2007, havia 72% de moradores de Curitiba, percentual que caiu para 54% em 2017, enquanto o de habitantes de outras cidades do Estado cresceu (de 17% para 30%).
Há ainda mais aprovados na base da pirâmide de renda do questionário. Eles eram no máximo 4% dos aprovados em 2007; foram 13% dez anos depois.
Os egressos de escolas públicas também são mais numerosos — em 2007, 30% tinham feito ensino fundamental e médio totalmente na rede pública, o que subiu para 47% em 2017.No mesmo período, o percentual de estudantes negros (pretos e pardos) aumentou de 15% para quase 24% (6).
Nessa leva de mudanças, surgiram histórias como a do professor universitário Wellington Oliveira dos Santos, que se graduou, fez mestrado e doutorado na universidade; hoje, leciona em Goiás. Nada incomum, fora o fato de Santos ter começado sua caminhada acadêmica, na graduação, devido à efetivação das então recentes políticas afirmativas para negros da instituição, em 2005. Dos seis anos de mestrado e doutorado no Edifício Dom Pedro I, Santos se recorda, com detalhes, da defesa do doutorado, na Sala Homero de Barros, uma das que ainda mantém ambientação muito próxima à da abertura do prédio.
“Os móveis pesados, as fotografias na parede, tudo lembra uma sala muito antiga, que tem um significado muito forte para a universidade”, conta. “É desconfortável à primeira vista, mas é importante que esse espaço seja ocupado por pessoas como eu e a minha família, como foi no dia. Essa é a simbologia que guardo desse momento”.