Prevenção contra a covid-19 em prisão de Curitiba joga luz sobre o efeito-ilha Ao testarem população de penitenciária, cientistas da UFPR embasam estudos sobre a dinâmica epidemiológica em lugares confinados
Para amostragem, foram selecionadas mulheres em privação de liberdade que fazem serviços na Penitenciária de Piraquara que pedem interação. Foto: Ari Dias/AEN/Divulgação, 25/7/2020
Atenção: temas referentes à pandemia de Covid-19 precisam ser contextualizados de acordo com a data de publicação da reportagem, não de leitura.

Devido à rotatividade nas unidades prisionais e às aglomerações forçadas, a população carcerária está sujeita a um “cenário complexo” frente à pandemia de Covid-19, segundo manual do Ministério da Saúde divulgado em abril. Isso se dá pelo risco representado pelo chamado efeito-ilha, decorrente do isolamento de uma comunidade: ocorre quando agentes infecciosos chegam a uma comunidade confinada, onde há muita interação entre os habitantes, e a dinâmica de contágio é acelerada tornando todos suscetíveis. Uma parceria para pesquisa entre a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e governo do Paraná busca monitorar a situação da Penitenciária Feminina de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, para entender mais sobre como o novo coronavírus atua nesse contexto e como ele pode ser prevenido.

Com esses objetivos, pesquisadores já testaram 57 pessoas da unidade, entre elas 36 mulheres em privação de liberdade e 21 agentes prisionais e demais servidores. Os últimos exames foram concluídos nesta sexta-feira (7) e atestaram negativo para agentes e servidores. Entre as presas, cinco apresentaram resultado positivo, com baixa carga viral e sinais clínicos brandos. Por ter ingressado na unidade recentemente, estavam separadas das outras presas. A precaução ajudou a reduzir o número de testes necessários nessa situação, uma vez que as presas tiveram contato com poucas pessoas.

Pesquisadores querem saber como a transmissão de vírus, bactérias e protozoários é favorecida pela interação diária entre todos os seres vivos e meio ambiente

“Isso mostra a importância do isolamento e da prevenção na entrada com diagnóstico rápido”, explica o professor Alexander Biondo, do Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular (PGBiocel) da UFPR. Ele orienta no programa uma pesquisa que trata do mapeamento epidemiológico da Covid-19 na penitenciária. Biondo também já estudou o efeito-ilha no contexto de outras zoonoses (doenças transmitidas entre animais e pessoas), entre as quais a toxoplasmose e a leptospirose, nas ilhas paranaenses, em parceria com pesquisadores da PUC-PR.

A fim de testar uma nova hipótese, derivada da aplicação do efeito-ilha, os pesquisadores se baseiam na chamada Regra de Foster, princípio que propõe que todos os grupos de seres de uma localidade são afetados pelo isolamento, o que inclui pessoas e microrganismos. Na pesquisa atual, os pesquisadores querem saber se vírus, bactérias e protozoários, que são os microrganismos causadores das zoonoses, muitos de transmissão direta (por contato), a reprodução e transmissão são favorecidas pela interação diária entre todos os seres vivos e meio ambiente (Saúde Única ou Iniciativa One Health). “A Covid-19 teve origem zoonótica, apesar de a característica da pandemia ser da transmissão de pessoa a pessoa. Se ela permanece zoonose ainda não se pode afirmar, pois pessoas podem infectar gatos, por exemplo”, afirma Biondo.

Alto contágio em situações de confinamento

Durante a pandemia de Covid-19, situações assim foram verificadas, por exemplo, em porta-aviões (houve mortes entre militares nos Estados Unidos e na França), cruzeiros turísticos (caso do navio Diamond Princess, interceptado no mar japonês em fevereiro, que registrou mais de 3 mil infectados, dos quais três mortos) e até em cidades interioranas. Nessas situações, o próprio isolamento dos conviventes no ambiente pode ter acelerado a contaminação entre eles, já que a Covid-19 tem a particularidade de possuir fases assintomáticas. “A quarentena do cruzeiro levou à exacerbação de casos pela facilitação de transmissão”, avalia Biondo.

Enquanto a equipe do PGBiocel ficou responsável por coletar as amostras na penitenciária, as análises pelo método RT-qPCR, que vasculha o material genético do muso nasofaríngeo em busca de traços do vírus, ficaram a cargo de cientistas de laboratórios liderados pelo Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade (Ligh), do Setor de Ciências Biológicas da UFPR. Os kits de diagnóstico foram cedidos pelo Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). A parceria foi similar à firmada com a Prefeitura de Curitiba para a análise de felinos no Zoológico Municipal, dessa vez no âmbito de um estudo das formas de transmissão interespécies do vírus.

O critério para selecionar as pessoas testadas na penitenciária teve relação com o risco de exposição. Assim, foram escolhidas presas que exercem serviços em que é preciso lidar com público grande na unidade, como de refeitório, limpeza e de ambulatório. Essa também é a situação do trabalho dos agentes prisionais, que escoltam quem ingressa na unidade e acompanham o dia a dia das detentas. Essa composição heterogênea dos conviventes na penitenciária representa um desafio para a administração dos locais, porque a forma de contenção da doença é testar a população e isolar os infectados com supervisão médica.

“A indicação para Covid-19 é isolamento, não tem outra opção. É teste e isolamento monitorado por médicos, até que o resultado seja negativo. São pelo menos dois testes consecutivos, a cada semana ou a cada 15 dias, para liberar o paciente”, explica o professor Emanuel Maltempi de Souza, que coordena um pool de laboratórios do Setor de Ciências Biológicas da UFPR que realizou os exames e preside a comissão de enfrentamento ao vírus na universidade.

Epidemiologia de uma população de risco

A pesquisa do PGBiocel tem o objetivo de analisar a exposição de presas e agentes ao novo coronavírus. “Principalmente, com relação às presas, que são classificadas como população de risco, frente a realidade de privação de movimentos e aglomeração involuntária”, diz o mestrando Caio Fábio dos Santos Gonçalves. Com isso, o estudo fará um levantamento com bases analísticas, fundamentado em um questionário para medir comportamentos e nas análises das amostras.

Os testes na penitenciária foram realizados a pedido da direção da unidade, que também solicitou que a UFPR teste periodicamente as mulheres que chegam à unidade para cumprir pena, o que ocorre quinzenalmente. A direção informa ainda que está monitorando o caso das presas que atestaram positivo para o vírus no exame PCR. Segundo o departamento, foram feitos outros testes rápidos, alguns deles com resultado negativo. Os testes rápidos medem a presença de anticorpos no organismos, por isso há a possibilidade de um resultado negativo significar que a infecção se encontra em estágio inicial.

Publicado originalmente no Portal da UFPR (www.ufpr.br).
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