“Microplásticos alteram a dinâmica de nutrientes nos solos, impactando a produção de plantas” | Eloana Bonfleur Conversamos com a coordenadora do Laboratório de Química e Mineralogia do Solo da UFPR sobre como os microplásticos agem como poluentes, alterando os processos dos solos e prejudicando seres vivos
Em sua conferência na 75ª SBPC, Eloana Janice Bonfleur fará um alerta sobre a presença cada vez mais massiva dos microplásticos nos solos. Foto: Acervo Pessoal

Microplásticos, o lixo na forma de pequenos pedaços de plástico, alguns microscópicos — de menos de cinco milímetros —, não são um problema apenas para os mares. Devido à atual prevalência do plástico nos processos industriais, o microplástico está em todos os lugares da vida humana. Isso inclui os solos que, além de terem sua presença no ciclo da água, são onde cultivamos alimentos. O que isso significa?

De acordo com a professora e pesquisadora Eloana Bonfleur, coordenadora do Laboratório de Química e Mineralogia do Solo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o microplástico no solo altera a forma como as plantas obtêm nutrientes. 

Ao mesmo tempo, esse material também interfere na forma como substâncias tóxicas presentes nos solos se movimentam pela cadeia alimentar. Podem piorar a situação ou agir como obstáculo.

Essa existência um pouco dúbia ainda gera alguma discussão na agricultura sobre se o microplástico é um contaminante do solo — ou seja, uma substância em excesso ou fora de lugar —, ou um poluente, que causa danos a organismos vivos.

Segundo Bonfleur, está claro que é um poluente. “Existe efeito negativo sobre seres vivos”, afirma.

A professora do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da UFPR fará sua fala na 75ª Reunião Anual da SBPC nesta sexta-feira (28), das 9h30 às 11 horas, no Anfiteatro 13 do Setor de Ciências Biológicas da UFPR, no Centro Politécnico, em Curitiba.

A discussão sobre se microplásticos são contaminantes ou poluentes para o solo significa entender se têm efeito negativo, ou seja, poluem o ambiente, ou se só o alteram, o contaminam, certo? Qual é o indicativo mais evidente hoje?  


Eloana Bonfleur | É importante ressaltar que nos dois casos podem existir efeitos negativos. Um ambiente contaminado é aquele em que a concentração de determinada substância está acima do que seria encontrada naturalmente ou simplesmente a substância está presente, mas naturalmente não estaria. Um ambiente poluído é aquele no qual a presença da substância exógena ao meio está em concentrações que causam efeitos nocivos aos componentes bióticos presentes, que são os seres vivos. 

A diferença é que um contaminante pode alterar processos químicos e físicos nos solos sem necessariamente causar um efeito nocivo à biota presente no mesmo. 

Além de os solos receberem microplásticos da fonte mais usual, que é a produção de lixo pelo ser humano, a agricultura também usa plástico nos seus processos, caso do mulching, cobertura de plástico comum no cultivo de morango. Foto: Hedva Sanderovitz/Commons

Nosso grupo de trabalho está focado em demonstrar como polímeros [no caso, outro nome para os microplásticos, que são formados por macromoléculas idênticas] alteram a dinâmica de nutrientes nos solos, o que pode impactar a produção das plantas. 

Por outro lado, a presença dos microplásticos também pode influenciar a disponibilidade de outras substâncias como os metais pesados e poluentes orgânicos — aí se incluem os pesticidas e os fármacos —, aumentando ou impedindo sua transferência na cadeia trófica [alimentar]. 

Isso ocorre devido à possibilidade de retenção desses poluentes na superfície dos microplásticos ou a retenção dos microplásticos em sítios onde esses poluentes ficariam retidos nos solos. Em outras palavras, esses polímeros podem atuar como carreadores ou facilitadores de substâncias tóxicas aos seres vivos, incluindo as plantas, ou mesmo transferi-las para outros compartimentos, como a hidrosfera [corpos d’água] e a atmosfera. 

Portanto, o conceito de poluente fica bem claro para esses materiais. 

Existem processos agrícolas que se utilizam de plástico. Isso ocorre no Paraná e no Brasil? Por que o plástico é usado dessa forma? Em quais culturas? É possível superar essas técnicas? Existem políticas públicas de substituição no Brasil? 


EB Todos os processos agrícolas citados são dependentes do uso de plástico. Na verdade, a nossa sociedade tem grande dependência em relação a esse material. Basta olharmos ao nosso redor. A ampla utilização dos plásticos se deve a esse material ser resistente e ao mesmo tempo maleável, ou seja, facilmente moldável às diversas aplicações. 

Na agricultura, o principal exemplo é a utilização como cobertura, também chamada de mulching, principalmente na cultura do morango. Essa técnica tem como objetivo reduzir a infestação por plantas daninhas e pragas, resultando na diminuição do uso de pesticidas e mantendo a umidade do solo. 

Os polímeros tradicionais têm como matéria-prima o petróleo. Entretanto, existem polímeros de origem vegetal, ou biopolímeros, que vêm sendo estudados como substitutos em razão da sua maior biodegradabilidade, o que resulta em menor tempo de permanência no ecossistema. 

Em relação às políticas públicas brasileiras, além da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a Lei 12.305 de 2010, existem projetos de lei que tratam principalmente de proibir a produção de plásticos de uso único.  

Fora isso, os microplásticos também são encontrados em insumos, como fertilizantes e etc., misturados à matéria orgânica, como o estrume. Existem insumos livres de microplásticos ou isso ainda não é preocupação da indústria, mesmo em linhas de produtos verdes? 


EB Os microplásticos ainda não dispõem de limites máximos de resíduos nas diversas matrizes onde são encontrados. Se considerarmos a ampla distribuição de plásticos por todo o globo terrestre, é difícil imaginar um ambiente livre desses resíduos. 

Por exemplo, estudos recentes têm encontrado microplástico no ambiente ártico mesmo em áreas sem atividade humana aparente.

De que outras formas os microplásticos poluem o solo? Existem formas de evitar que esses poluentes cheguem também aos alimentos? Produtos orgânicos, por exemplo, são mais seguros?  


EB Além da utilização direta dos plásticos nas técnicas agropecuárias, a entrada dos plásticos no compartimento solo pode ocorrer pela disposição inadequada de lixo, por transporte atmosférico, pela deposição pelas águas, pela aplicação de resíduos sólidos contendo microplásticos, como lodo de esgoto, e pela utilização de água de reúso na irrigação. 

Estima-se que no Brasil apenas 23% das embalagens plásticas passam por processo de reciclagem. Isso leva a acreditar que boa parte desses materiais será disposto nos solos e nas águas. 

Por isso, é impossível admitir que na produção orgânica o acúmulo de microplásticos seja menor ou que a produção orgânica esteja livre desses resíduos. 

Medidas realmente efetivas para reduzir a presença de microplásticos no solo podem ser tomadas em nível individual? Se sim, quais as mais eficientes? Ou seria melhor reforçar a reivindicação de que as mudanças precisam ser macro para terem efeito? 


EB Certamente o esforço individual e coletivo em conjunto é a melhor alternativa para redução na presença de microplásticos no ambiente. Se, por um lado, é necessária a implementação de políticas públicas a nível nacional, estadual e municipal, a aderência individual a estas ações vai determinar o sucesso ou o fracasso das políticas. 

Por exemplo, não adianta existir coleta seletiva se a população não separar seus resíduos dentro das residências. 

Ao mesmo tempo, após a coleta seletiva, o poder público deve garantir o estímulo e o financiamento de medidas para a reutilização e a reciclagem dos plásticos.


Esta entrevista faz parte de uma série de conversas da Ciência UFPR com conferencistas da Universidade Federal do Paraná que estão na programação da 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Curitiba.
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