Economia circular leva sustentabilidade à construção civil, mas barreiras ainda são críticas Tese desenvolvida na UFPR e destacada pela Capes sugere como o setor brasileiro pode vencer dificuldades culturais e estruturais para mudar o paradigma da economia linear, com uso mais eficiente de recursos
Reutilização e reciclagem de materiais de construção são as práticas por trás da economia circular na engenharia civil. Na foto, casa feita com madeira e janelas reutilizadas para a competição Solar Decathlon Europe 2021/2022. Foto: Steinpriz/Univ. Wuppertal/Reprodução

A relação do setor de construção com o desenvolvimento sustentável, com a prosperidade econômica e com a equidade social instigou a pesquisadora Mayara Regina Munaro, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a criar um referencial teórico sobre implantação de ferramentas e modelos de negócios circulares para que edificações se tornem banco de materiais.

Na tese “The circular economy in the construction sector” (“A economia circular no setor de construção”, em tradução livre), Mayara utiliza o conceito chave da economia circular e investiga o que já existe nesse sentido no ambiente construído e quais são os principais obstáculos e oportunidades na sua implementação na construção civil. O trabalho foi um dos vencedores do Prêmio Capes de Teses de 2023.

A pesquisa é constituída por diferentes artigos que se complementam em seus assuntos. A escolha desse formato se deu com o intuito de abordar diferentes ferramentas e modelos de negócios ligados à economia circular, formando uma teia de pesquisa ampla e contínua.

Entre os resultados alcançados, destaca-se a necessidade do setor construtivo evoluir para a redução de seus impactos ambientais. A economia circular vai ao encontro de objetivos de sustentabilidade como o enfrentamento da crise climática e da redução de lixo.

Até chegar a esse ponto, é preciso que, na parte de desenho, as edificações se baseiem em ambientes adaptáveis e, na etapa de construção, seja combatida a obsolescência dos materiais.

Para a pesquisa foi observada a existência de ações pontuais de circularidade e de redução de resíduos, como a construção modular e a utilização de materiais reciclados. Porém, ainda são ações muito pequenas que precisam avançar para melhorar seu impacto positivo.

“Ainda não se projetam as edificações com pensamento de ciclo de vida, considerando como os materiais serão recuperados no fim de vida e reinseridos nas cadeias de valor”, afirma.

Legislação vigente mal foi implementada e já precisa de atualização

A pesquisadora também se preocupou em entender como as políticas públicas brasileiras suportam os princípios circulares. Segundo informações levantadas pelo seu trabalho, há uma robustez de instrumentos legais que favorecem a implementação de práticas baseadas na economia circular na indústria construtiva.

Ela destaca a Lei nº 12.305/2010, que se refere ao Plano Nacional de Educação Ambiental (PNRS). A partir dessa legislação, três instrumentos fundamentais são instituídos: a logística reversa, a responsabilidade compartilhada e o estabelecimento de acordos setoriais.

Mesmo com quantidade significativa de regulações, a fiscalização para suas devidas implantações ainda é carente e há a necessidade de mudanças.

“É preciso que a legislação seja atualizada considerando aspectos tanto de implementação, como questões de descarbonização e tecnologias de reciclagem e de integração com outras políticas públicas”, afirma.

Em relação às barreiras e oportunidades no setor construtivo, o trabalho enfatiza três questões principais: falta de plano de governança para economia circular, um programa de gestão eficiente de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) e maior conscientização e comunicação sobre os princípios circulares.

“São necessárias políticas interativas e inclusivas para garantir que as partes interessadas sejam capazes e motivadas o suficiente para evitar lacunas entre a elaboração de políticas e a prática”, ressalta. A ação conjunta entre governo e intervenientes da construção também é destacada como necessária para que haja uma transição circular no setor da construção civil.

Em sua tese, Mayara ainda chama a atenção para pensar a construção por meio da sua desconstrução. “Deveríamos projetar as edificações como se fossem cebolas, com camadas independentes e separáveis”, diz.

Dentre as principais medidas que podem ser adotadas na fase de criação do projeto, a autora destaca a composição de uma construção com fases independentes, que usem elementos geométricos simples e leves e que levem à redução de elementos e interações entre os sistemas construtivos.

Por meio dessas ações, componentes usados nos ambientes construídos podem ser recuperados e reaproveitados, proporcionando a redução do desperdício de materiais e um modelo de construção mais sustentável.

➕ Leia detalhes na tese “The circular economy in the construction sector: existing trends, challenges, and tools towards buildings as material banks“, defendida por Mayara Regina Munaro, sob orientação de Sérgio Fernando Tavares e co-orientação de Luís Bragança, no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da UFPR em 2022 e vencedora do Prêmio Capes de Tese 2023 na categoria “Engenharias I”
➕ Recomendamos ainda o artigo “The ecodesign methodologies to achieve buildings’ deconstruction: A review and framework“, publicado na revista Sustainable Production and Consumption
Por Thiago Fedacz, sob supervisão de Jéssica Tokarski
Edição: Camille Bropp

Esta reportagem faz parte de uma série baseada nas teses de doutorado defendidas na Universidade Federal do Paraná que foram destacadas no Prêmio Capes de Tese 2023. As matérias serão publicadas todas as quintas-feiras entre 23 de novembro e 21 de dezembro de 2023. Acompanhe neste link
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