Já disponível no mercado, bactéria biotecnológica aumenta produtividade do milhoA partir do aprimoramento de microrganismo que coloniza raízes de plantas e tem alta capacidade de fixar nitrogênio, pesquisadores em Bioquímica da UFPR trabalharam décadas para criar inoculante que alavanca produção na agricultura
📷 Colônias de bactéria HM053, selecionada a partir da técnica de evolução adaptativa. Foto: Marcos Solivan/Sucom UFPR
Bactérias fixadoras de nitrogênio são microrganismos encontrados naturalmente em raízes de plantas como milho, trigo, cana-de-açúcar e arroz. Seu papel de fixar nitrogênio e liberá-lo para a planta permite a redução do uso de fertilizantes, um dos insumos mais caros na agricultura. Ainda que descobertas há cerca de 130 anos, estudos recentes têm ampliado as possibilidades de sua utilização e aprimorado seu desempenho.
É o caso da bactéria HM053, uma cepa que pertence à espécie Azospirillum brasilense, que foi selecionada pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fábio de Oliveira Pedrosa, e seu então aluno de mestrado, Hidevaldo Bueno Machado.
“A partir do isolamento e da caracterização de mutantes de Azospirillum brasilense resistentes a etilenodiamina,selecionamos quatro estirpes para caracterização bioquímica, fisiológica e genética. Todas foram capazes de fixar nitrogênio”, pontua Pedrosa.
Esse processo levou em torno de dois anos, considerando todas as etapas pelas quais o experimento passou. Para isso, a bactéria parental, chamada de “mãe”, foi colocada em condições nas quais precisou se ajustar para sobreviver. Tais condições permitiram a seleção de bactérias “filhas”, com características otimizadas.
“Foram usadas três condições distintas para identificar qual seria capaz de selecionar a melhor bactéria. A partir dessas três condições, foram isoladas cerca de 600 bactérias ‘filhas’ e cada um delas passou por uma bateria de vários testes para identificarmos as melhores. Dessas ‘filhas’, quatro foram selecionadas, e, das quatro, elegemos a HM053 por produzir grande quantidade de amônia”, explica Emanuel Maltempi de Souza, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFPR e cientista do Núcleo de Fixação Biológica de Nitrogênio da UFPR.
Depois do sequenciamento do genoma da HM053 e de várias análises, os cerca de 20 pesquisadores da UFPR que, de alguma forma, contribuíram com o estudo, identificaram a mudança genômica que levou ao fenótipo único dessa bactéria. Souza conta que apenas duas décadas depois é que foram compreender melhor as novas características da bactéria.
“Hoje entendemos bem o que está ocorrendo e temos condições inclusive de melhorar ainda mais suas características. Isso sem a produção de bactérias transgênicas, mas utilizando técnicas clássicas e edição gênica”.
Experimentos apontaram que além do alto potencial de fixação de nitrogênio, a HM053 tem capacidade aumentada de produzir compostos estimulantes do crescimento vegetal, ou seja, fitormônios.
“Deste modo, a bactéria estimula o crescimento e o desenvolvimento da planta, além de fornecer a ela um nutriente essencial. Como contrapartida, a planta libera exsudatos, uma mistura de compostos que incluem nutrientes e outras substâncias benéficas para a bactéria”, esclarece o estudioso.
Segundo o professor, testes em campo em associação com outros cientistas comprovaram que a HM053 aumentou a produtividade de milho em até 28%.
“Salientamos que as condições de campo são muito mais complexas e variáveis do que as do laboratório, portanto é possível que outros fatores que ainda não avaliamos sejam importantes para o efeito observado na produtividade”, revela.
Parceria com empresa viabilizou colocar produto no mercado
Recentemente a UFPR firmou parceria com a empresa Bioma, que desenvolve soluções tecnológicas na linha de inoculantes e fertilizantes, para que a HM053 e outras duas novas estirpes fossem testadas em condições de campo na cultura de milho, com uma formulação industrial própria.
“Os resultados da Bioma confirmaram o que nós e nossos colaboradores havíamos observado e permitiu que a empresa solicitasse autorização ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para uso comercial do novo inoculante”, comenta Souza.
A Bioma utiliza a bactéria HM053 na sua fórmula de inoculante, um líquido que tem, além da bactéria em suspensão, uma série de aditivos importantes de propriedade intelectual da empresa. O inoculante é aplicado sobre a semente antes do plantio e, quando ela germina, a bactéria se prolifera à medida que o sistema radicular se desenvolve.
📷 Colônia de bactéria A. brasilense em foto de microscopia. Foto: H.J.O. Ramos et al./Reprodução
“Acreditamos que ocorra uma espécie de ciclo virtuoso: a bactéria estimula o crescimento das raízes pela liberação de amônia e bioestimulantes, enquanto o sistema radicular mais robusto libera mais nutrientes para bactéria, que se multiplica e aumenta liberação de amônia e bioestimulantes”, esclarece o professor.
De acordo com Márcio Araújo, diretor comercial da Bioma, a companhia estabeleceu um processo de produção e formulação inovadoras da estirpe, conferindo à tecnologia — nomeada Bioma Mais Energy — maior resistência, concentração e viabilidade de células, resultando em um produto de alta performance.
“Com o pioneirismo do registro no Mapa para a cultura do milho, o lançamento da Bioma demonstrará que os testes da pesquisa são replicáveis e que a inovação pode aumentar a lucratividade dos produtores, contribuindo com a economia nacional”.
“A aprovação dessas estirpes para uso como inoculante é mais uma grande vitória do trabalho que temos realizado no Núcleo de Fixação de Nitrogênio. Elas se juntam às estirpes de Azospirillum brasilense FP2 e FP10 (conhecidas comercialmente por Ab-V5 e Ab-V6, respectivamente), construídas por nós, que hoje já são largamente utilizadas na agricultura brasileira como inoculante de gramíneas e como co-inoculante na cultura de soja”, comemora Pedrosa.
Perspectivas de aumento na produtividade agrícola
De acordo com os resultados dos estudos feitos em parceria com a empresa, o principal benefício da utilização da fórmula é o aumento da produtividade.
A partir de cálculos conservadores, os pesquisadores consideram um incremento mínimo de 10% na cultura de milho, o que representaria um aumento de aproximadamente R$ 10 bilhões no valor total da safra de 2023, estimada em R$ 101,8 bilhões pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A tecnologia é extremamente acessível, desenvolvida por pesquisadores e pela indústria nacional, garantindo um retorno excepcional para o agricultor. Além disso, observamos ainda que a inoculação traz outros benefícios, como sistema radicular mais desenvolvido; melhor uso de nutrientes do solo pela planta; maior resistência da planta a pragas e, principalmente, maior resistência a períodos secos”, afirma Souza.
📷 Cepas de bactérias da Azospirillum brasilense são testadas em lavouras de milho desde os anos 1970 para substituir fertilizantes nitrogenado. Foto: Dênio Simões/Agência Brasília
Testes com a HM053 já foram realizados e tiveram sucesso em outras culturas, como trigo e morangos. Resultados excelentes na co-inoculação de soja com a HM053 e com outra bactéria selecionada pela UFPR, a HM210, também foram obtidos em condição de campo.
“Embora nossos resultados indiquem que as bactérias estimulam crescimento de outras culturas, somente a testagem em condições de campo sob protocolos rígidos pode realmente comprovar o efeito”, alerta o especialista.
Caminhos tecnológicos para produtos nacionais e sustentáveis
O objetivo dos pesquisadores da universidade é compreender a fixação biológica de nitrogênio em bactérias associativas; como essa interação entre planta e bactéria é estabelecida; como a planta reconhece que a bactéria não é patogênica; e quais funções cada uma exerce nessa parceria.
Com os resultados desses estudos, foi possível apontar o caminho para a indústria desenvolver uma nova tecnologia com grande potencial e que gerará royalties para a instituição.
Um dos grandes diferenciais dessa inovação é a sustentabilidade, pois, além de ser um produto natural, tem o potencial de reduzir a utilização de fertilizantes químicos nitrogenados (como nitrato, amônio e ureia). Esses fertilizantes, além de muito caros, são facilmente perdidos com as águas das chuvas, que os arrastam para mananciais e lençóis freáticos, causando poluição e ameaçando a saúde humana e animal e o meio ambiente.
A produção de fertilizantes químicos também gera um grande passivo ambiental devido à emissão de gases de efeito estufa: 2% da demanda global de energia fóssil (óleo combustível, diesel e gás natural) é destinada à produção e ao transporte de fertilizantes nitrogenados. Além disso, a escala necessária para essa atividade faz com que esse setor seja altamente concentrado em grandes grupos empresariais, sendo que 70% da produção mundial é concentrada em apenas dez empresas.
A solução desenvolvida pela UFPR e seus parceiros, além de sustentável, fortalece o mercado nacional, pois se trata de um produto totalmente brasileiro, desde a tecnologia até a produção, eliminando a necessidade de importações e intermediários externos e fomentando a indústria e as cadeias produtivas nacionais.
“A ciência não pode parar; novas tecnologias dependem de novas descobertas”, diz Souza.