Divertidos de se observar, altamente inteligentes e absolutamente fascinantes, golfinhos desde sempre intrigam os cientistas. Suas complexas formas de comunicação estão relacionadas, por exemplo, a sua capacidade de desenvolver fortes laços sociais.

Mas, como é que eles fazem isso? Então, quem pode nos ajudar a responder isto é a ciência!

Como os golfinhos se comunicam?

Você ainda duvida que os golfinhos são super inteligentes? Se liga nessa história aqui então. Na década de 1980, três pesquisadores navegavam em pleno mar aberto, em uma expedição justamente destinada a estudar golfinhos. Acontece que depois de um bom tempo no mar sem conseguir observar um único golfinho, os pesquisadores ficaram um tanto quanto entediados…

Então, para passar o tempo, eles começaram a brincar entre si (cientista também brinca, OK?). Um deles pegou um punhado de algas marinhas que estava ao seu alcance e fez uma guirlanda. Outro dos cientistas, logo em seguida, colocou a guirlanda em sua cabeça, fingindo ser Poseidon, o deus dos mares. Porque isso era engraçado para os três cientistas não saberemos responder.

Ecolocalização é a capacidade de certos animais de saberem, por meio do eco, em que local estão, quem está ao seu redor e qual o tamanho dos seres que estão perto deles. Eles usam a própria voz, esperam o eco dela e analisam esse eco com uma espécie de sonar natural que têm na cabeça. Golfinhos e morcegos são conhecidos por terem essa habilidade.

De qualquer maneira, depois de certo tempo é óbvio que isso também acabou perdendo a graça e a guirlanda foi então jogada ao mar. Mas, por que diabos estamos contando essa história aqui? Bom, logo após um dos cientistas ter jogado seu brinquedinho fora, um golfinho emergiu da água usando a guirlanda na cabeça, igualzinho ao que os pesquisadores estavam fazendo anteriormente.

Tá bem, tá bem… Sabemos que isso pode ter sido uma mera coincidência! Mas, se considerarmos que os golfinhos são um dos animais mais inteligentes do planeta, não seria possível que ele tenha imitado o cientista? Na prática, dificilmente seremos capazes de responder a essa pergunta algum dia. Afinal de contas, ninguém aqui fala “golfinhês”, né?

Ainda assim, através da ciência somos capazes de descobrir algumas coisas tão interessantes quanto a história acima. É por meio da ciência que já há algum tempo sabemos, por exemplo, que os golfinhos se comunicam entre si de forma intensa e eficiente.

É claro que estando debaixo da água durante boa parte de suas vidas, golfinhos não podem se comunicar da mesma maneira que nós fazemos na terra. Ao seu próprio modo, golfinhos são mamíferos que vivem em sociedades e que se comunicam uns com os outros.

Diferentemente de nós (pelo menos da maioria de nós), eles fazem isso através de sons como guinchos, buzzes, assobios e cliques. Outra diferença importante em relação à nossa forma de comunicação, é que ondas sonoras se propagam de maneira diferente em meios tão distintos, como são o ar e a água.

ÁUDIO | Aperte o play para ouvir um pouco de “golfinhês”

Na água o som se propaga mais eficientemente, em alta velocidade e potencialmente a grandes distâncias. Isso ocorre porque o som, sendo uma onda mecânica, precisa de meios com diferentes partículas para se propagar. Como a água é muito mais densa que o ar, lá essas ondas se propagam mais facilmente.

Para você ter uma noção mais exata do que estamos falando: a velocidade do som na água é de 1450 metros por segundo e no ar 340 metros por segundo (em condições normais de temperatura e pressão).

Fatores como temperatura, umidade e salinidade são todos capazes de alterar a densidade do meio em que a onda sonora é propagada e, consequentemente, a velocidade do som.

Além disso, alguns fenômenos físicos associados às diferentes propriedades do meio também podem afetar a transmissão do som, sendo bons exemplos nesse caso a atenuação, a reflexão, a reverberação e a absorção. Consegue então imaginar o quão complexo é a comunicação debaixo da água, ainda mais dentro do mar? Vida de golfinho não é mole não!

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O primeiro daqueles fenômenos físicos que mencionamos, a atenuação, refere-se ao decaimento da amplitude sonora. Como a amplitude está relacionada com a pressão e, esta, com o nível de intensidade (em decibéis) que é o que costumamos chamar de volume, a atenuação ocorre quando é possível medir a diminuição da intensidade do som durante a propagação pelo meio.

Da mesma forma, a frequência da onda (número de vibrações por intervalo de tempo) também influencia este fenômeno. Mas, na prática, o que é a frequência do som mesmo? É o parâmetro relacionado ao quão grave e agudo é a emissão sonora…

  • Sons de baixas frequências ou graves (aqueles cuja onda vibra pouco e por isso não gastam muita energia) atenuam-se menos e, portanto, percorrem maiores distâncias no espaço.
  • Sons de alta frequência ou agudos (aqueles cuja onda vibra intensamente e assim gasta muita energia), por sua vez, se propagam a curtas distâncias e atenuam-se mais rápido, porém resultam em melhores informações e resoluções, devido a seu comprimento de onda ser menor.

No caso de baleias e golfinhos, isso pode ser facilmente detectado. Grandes baleias geralmente precisam se comunicar a grandes distâncias (até mesmo através de bacias oceânicas inteiras) e, portanto, usam sons de frequências mais baixas (que se atenuam menos).

Golfinhos, no entanto, geralmente usam frequências mais altas, as quais fornecem informações mais diversificadas e precisas, mas que limitam a distância que seus sons podem percorrer.

E por que tudo isso é importante? Porque entender estas características e como o som se propaga no meio permite também entendermos como estes animais se comunicam e como importantes informações acústicas podem ser atenuadas, degradadas e acabar competindo com o ruído do ambiente e o ruído produzidos por nós, humanos.

Similarmente, quando existem barreiras ou limites em um determinado ambiente, a onda sonora pode refletir e então se propagar em diferentes trajetórias em relação à original. Para que haja essa reflexão do som (o famoso eco) é necessário que o comprimento de onda seja pelo menos de 1/10 do tamanho do objeto ou barreira.

Assim, altas frequências (menores comprimentos de onda) acabam refletindo mais facilmente do que baixas frequências em pequenos objetos. Quanto maior a trajetória da onda refletida, maior a atenuação do sinal que chegará ao receptor final.

Isso é especialmente importante para animais como os golfinhos, que dependem de um tipo de emissão sonora, chamado ecolocalização. “Pera, eco o quê”?!

Ecolocalização é o processo pelo qual um organismo emite ondas sonoras e, em seguida, detecta e interpreta os sons que a partir da sua própria emissão são refletidos por outros objetos ao seu redor, permitindo que eles construam uma espécie “imagem sonora” do seu entorno.

Isso mesmo, você não entendeu errado. Eles enxergam através de um som! E isso é muito importante para os golfinhos, já que eles usam a ecolocalização para caçar, por exemplo. Fantasticamente, alguns humanos especiais, com deficiência visual, são capazes de aprender a ecolocalizar, o que facilita muito a vida dessas pessoas em termos de mobilidade e independência nas suas próprias rotinas.

Golfinhos, portanto, podem encontrar comida não importando quão escuro o seu ambiente seja. Eles podem usar a ecolocalização até mesmo para identificar presas escondidas debaixo da areia!

O boto cinza, por exemplo, um dos mais simpáticos animais da costa brasileira, não dorme. Ele apresenta apenas alguns períodos de descanso durante o dia. Então como é que estes golfinhos fazem para se alimentar, montar estratégias de caça e manter seus grupos coesos durante à noite? Através do som, claro!

Lucimary Deconto (que também assina este texto) e Emygdio Monteiro-Filho, pesquisadores que estudaram os botos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, descobriram uma série de coisas fascinantes sobre como eles se comunicam.

Uma delas é que à noite o boto-cinza emite mais sons de comunicação social, como assobios, gritos e buzzes. É durante a noite, também, que as frequências sonoras emitidas por eles são menores. Isso significa que não somente os sons emitidos pelos botos neste período percorrem maiores distâncias, mas também permitem que eles rastreiem melhor o ambiente na ausência de luz. Incrível, né?

Lucimary durante os trabalhos de campo com o boto-cinza (Sotalia guianensis), tanto durante o dia
como à noite. Foto: Acervo Pessoal

Outro fenômeno muito interessante e derivado da reflexão é o da reverberação. É o que em nosso cotidiano normalmente chamamos de “eco”, mas que nem sempre o é. Ela ocorre quando uma onda sonora atinge uma superfície (em um determinado ângulo) e então espalha-se continuamente, devido à reflexão e em função do seu ângulo de incidência e da rugosidade da superfície. Esse tipo de reflexão faz com que som persista no ambiente mesmo após a sua produção ter cessado.

Para entender melhor, que tal um exemplo? Imagine uma pessoa que está ouvindo dois sons provenientes de uma mesma fonte sonora. O primeiro som a atinge diretamente e, o segundo, a alcança após ser refletido em uma barreira, como uma parede.

A reverberação ocorre quando o observador recebe o segundo som (refletido) antes que o primeiro tenha terminado, ocasionando o prolongamento e o aumento da sensação auditiva.

O eco, por sua vez, ocorre quando os dois sons (direto e refletido) são percebidos distintamente, pois, quando o som refletido atinge o observador, o que restava do primeiro já se extinguiu. Dessa forma, há uma diferença perceptível em relação ao intervalo de tempo entre a chegada do som direto e do refletido.

No caso da reverberação, pode haver uma degradação do som e, consequentemente, uma modificação da informação que será transmitida para o receptor (pode ser que não dê para entender o som direito).

A última das propriedades do meio que afeta a transmissão do som a ser destacada aqui é a absorção. Este é o processo pelo qual a energia sonora é convertida em calor (grau de agitação das moléculas). É essa conversão que faz com que o nível de pressão sonora diminua com o aumento da distância a partir da origem do som. Do mesmo modo, a perda de energia por absorção pode ocorrer por relaxamento das moléculas do meio.

No mar, lar dos golfinhos, há vários sais dissolvidos, de diferentes formas e composições. Estes sais estão em constante mudança no mar e acabam utilizando a energia do entorno para tal. Um dos doadores de energia para estes processos é o som.

Perdas por absorção são insignificantes para baixas frequências, mas podem ser significativas para as altas frequências. Por exemplo, um som de 40 quilohertz (ultrassom) teria perdas de absorção de até aproximadamente dez decibéis por quilômetro.

Já a absorção do som no ar é quase 100 vezes maior que a absorção no mar a uma mesma frequência.

E qual é a importância de estudar como os golfinhos se comunicam?

A poluição sonora pode causar diversas influências no modo de vida dos golfinhos (bem como o da maioria das espécies que vivem em ambientes aquáticos), pois, como acabamos de ver, estes seres possuem uma íntima dependência do som para se comunicar.

Eles são, dessa forma, extremamente sensíveis, por exemplo, aos ruídos oriundos de embarcações. E é claro que tais perturbações sonoras podem influenciar negativamente a capacidade de reprodução, de comunicação, busca de alimento, bem como, em seus mecanismos de defesa.

O efeito da poluição sonora na vida marinha varia de acordo com a proximidade do animal às embarcações e com a frequência sonora do ruído emitido. Não surpreendentemente, animais muito expostos a esse tipo de contato com seres humanos, tendem a ser mais impactados.

Estudos como o de Lucimary e Emygdio, portanto, são muito importantes para que possamos melhor entender como se dão tais interferências humanas na vida dos botos, servindo de base para a formulação de melhores planejamentos turísticos e pesqueiros, que considerem, por exemplo, a quantidade e os tipos de embarcação que circulam juntamente a populações de golfinhos em uma região.

Afinal de contas, ninguém aqui quer viver em um mundo em que os golfinhos não existem, não é mesmo?

Autores
Lucimary Steinke Deconto Pesaroglo, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Cananeia especializada na propagação de som em ambiente marinho
Matheus Maciel Alcantara Salles, pesquisador do Programa de Pós-graduação em Zoologia da UFPR

A Ponte com a Ciência é a editoria especializada em divulgação científica da Ciência UFPR. Nela, cientistas da UFPR puxam conversas sobre temas de seus estudos. Saiba como enviar seu texto 
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