Uma pesquisa da Universidade Federal do Paraná está mapeando trajetos entre parques e praças da capital paranaense literalmente a pé. Por meio do projeto de extensão “Caminhos de Curitiba”, a equipe realiza um diagnóstico aprofundado da caminhabilidade, abrangendo as condições do espaço urbano para pedestres.
Para transformar percepções em dados concretos, o projeto utiliza a ferramenta iCam, do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). O método é composto por 15 indicadores agrupados em categorias (ambiente, atração, calçadas, mobilidade, segurança pública e segurança viária).
A área de estudo compreende os trajetos que conectam cinco pontos da cidade: Parque Barigui, Praça da Ucrânia, Praça Osório, Passeio Público e Bosque do Papa João Paulo II. As avaliações priorizam rotas de deslocamento de pedestres sugeridas pelo aplicativo Google Maps.

Com fomento do Parque Tecnológico Itaipu (Parquetec), o projeto pretende conectar a mobilidade ativa aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), como saúde e bem-estar (ODS 3) e cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11). A iniciativa pretende contribuir para a redução da poluição ambiental, incentivar a mobilidade ativa e aumentar a qualidade da vida urbana.
Os dados, que serão disponibilizados para os órgãos públicos municipais, já apontam um retrato complexo da experiência do pedestre em Curitiba. Por um lado, há aspectos positivos que tornam o caminhar mais agradável, como trechos mais convidativos aos pedestres, com a presença de arte nas ruas e fachadas atrativas.
A presença de árvores que proporcionam sombra também foram destacadas como pontos fortes. No entanto, as mesmas árvores comprometem a integridade das calçadas, o que levanta uma discussão sobre a titularidade das calçadas e a responsabilidade do poder público. A análise das calçadas inclui desde o estado físico até aspectos como segurança e conforto do trajeto.
GALERIA | Imagens da experiência de caminhar pela capital paranaense
Outros desafios se tornaram evidentes durante as coletas em campo. “Uma das observações que mais me impactou foi o tempo de travessia nos semáforos para pedestres”, relata a estudante Rafaela Righi. “Em alguns pontos onde fizemos amostragens, o tempo era de apenas 13 a 15 segundos, mesmo em travessias relativamente longas. Isso nos faz refletir sobre a dificuldade enfrentada por pessoas com mobilidade reduzida, que muitas vezes não conseguem concluir a travessia com segurança nesse intervalo de tempo”.
Diferenças entre os bairros foram identificadas pelo grupo. De acordo com a estudante Maria Beatriz Gardemann, no trecho do Parque Barigui até a Praça da Ucrânia, por exemplo, localizado em uma região mais nobre, foram observadas calçadas mais planas. Já no trecho da Praça Osório para o Passeio Público, no centro da cidade, o fluxo de pedestres é maior e a estrutura da calçada é mais irregular. “No geral, a cidade ainda precisa melhorar as travessias de pedestres para incentivar mais a caminhada no dia a dia das pessoas”, detalha.

A coordenadora do projeto e professora do Departamento de Engenharia Ambiental da UFPR, Joice Kuritza Denck Gonçalves, ressalta que a infraestrutura urbana é determinante para a qualidade da experiência de quem caminha. “Elementos como largura e conservação das calçadas, sinalização adequada, iluminação, segurança e presença de áreas de descanso fazem toda a diferença. Quando esses aspectos são negligenciados, o deslocamento a pé se torna desconfortável, inseguro ou até inviável para parte da população”.
Trajeto entre Praça Osório e Passeio Público tem melhor avaliação; entre Parque Barigui e Praça da Ucrânia, a pior
A avaliação dos segmentos metodológicos gerou notas para cada categoria, indicando o grau de caminhabilidade. O sistema de pontuação do iCam considera “ótimo” os critérios que atingem 3 na escala, resultados entre 2 e 3 são “bons”, índices maiores que 1 e menores que 2 “suficientes” e notas menores que 1 “insuficientes”.
O trecho DE (Passeio Público e o Bosque do Papa) foi dividido em dois, pois a partir da entrada na Rua Euclides Bandeira o caminho é exclusivo para pedestres e ciclistas, o que torna o cálculo dos indicadores diferente do primeiro trecho, já que não há poluição sonora proveniente de veículos, por exemplo. A coleta foi feita normalmente e a divisão no cálculo do índice busca garantir transparência do resultado.
A avaliação de todos os trechos por meio do índice apontou uma classificação geral “suficiente”. Dentre os quatro segmentos avaliados, o trajeto entre a Praça Osório e o Passeio Público obteve a melhor avaliação, com grau de caminhabilidade entre suficiente e bom. Em contrapartida, o percurso entre o Parque Barigui e a Praça da Ucrânia (trecho AB) apresentou o desempenho geral mais baixo entre os trechos estudados, com nível de insuficiência para as categorias Segurança Pública e Segurança Viária, e pontuação final de 1,04.
As maiores pontuações foram observadas na categoria Ambiente no trajeto entre o Passeio Público e o Bosque do Papa (trecho DE – parte 2) e na categoria Mobilidade no trajeto entre Praça Osório e o Passeio Público (trecho CD), com 2,42 e 2,40, respectivamente. Os pesquisadores atribuem a isso a grande quantidade de vegetação no trecho “DE” e a localização central do trecho “CD”, com a presença de várias linhas de transporte público.
Uma análise detalhada das seis categorias que compõem o índice revelou que as piores avaliações estão em Segurança Pública, Segurança Viária e Atração. O trecho entre o Passeio Público e o Bosque do Papa (DE) registrou as pontuações mais baixas em duas dessas categorias (Atração – 0,05; Segurança Pública – 0,00). Embora possua uma via exclusiva para pedestres, fatores como pouca iluminação e baixo fluxo de pedestres evidenciam a falta de segurança pública no trecho, podendo comprometer a experiência dos pedestres.
Os pesquisadores ressaltam que a promoção de ambientes urbanos verdadeiramente caminháveis exige uma abordagem multifatorial, que transcenda a infraestrutura e contemple, de forma integrada, a segurança, o conforto e a existência de destinos e atividades que incentivem o deslocamento a pé.
Melhorias devem focar material das calçadas, iluminação e câmeras de segurança
Por meio da avaliação detalhada da caminhabilidade, com determinação do índice em áreas estratégicas e com identificação de pontos fortes e fracos, a equipe debate propostas concretas de intervenções urbanas para melhorar as condições de segurança, acessibilidade, conforto, atratividade, conectividade e conveniência para pedestres.
A necessidade de revisão dos materiais das calçadas (considerando custo, resistência e permeabilidade) e uso de iluminação adequada e câmeras de segurança já são apontados como prioridades pela equipe.
“A implementação de medidas para aumentar a caminhabilidade resultará em uma cidade mais segura e inclusiva para os pedestres. Isso incentivará mais pessoas a caminhar, reduzindo a dependência de carros e, consequentemente, os níveis de poluição do ar e sonora”, afirma a docente da UFPR. Ao contribuir para o combate ao sedentarismo, os benefícios também se estendem à saúde pública.
Com os relatórios técnicos em fase de produção, o próximo passo da equipe é intensificar o diálogo com os órgãos públicos municipais e realizar ações de sensibilização nos parques e praças estudados. “Em uma cidade como Curitiba, com tantos espaços verdes e uma população que valoriza a mobilidade, investir em infraestrutura que priorize o pedestre é essencial para tornar a cidade mais inclusiva, acessível e sustentável”, destaca Joice.
Extensão em prática e já com reconhecimento
Neste ano, o projeto conquistou a primeira colocação na modalidade “civil” do Prêmio CREA-PR de extensão universitária.
Para os estudantes do curso de Engenharia Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental envolvidos na iniciativa, o projeto é uma extensão da sala de aula. Os integrantes atuam na coleta e análise de dados, produção de relatórios, divulgação e participação em eventos.
Por meio de uma parceria com a Universidade Tecnológica Federal do Paraná, os celulares dos estudantes foram calibrados para serem utilizados como sonômetro nas medições e análises de ruído ambiental.
“A extensão universitária é muito importante para a nossa formação, porque nos permite aplicar, na prática, o que aprendemos na universidade e, ao mesmo tempo, contribuir com a sociedade”, avalia Rafaela.
A experiência em campo, segundo Maria Beatriz, foi a parte mais empolgante. “Foram vários dias e vários quilômetros andados, levando água, guarda-chuva, caneta e prancheta, pegando ônibus e andando a pé, preenchendo várias planilhas de dados. Foi o mais trabalhoso de fazer, mas foi o mais divertido”, conta. “Isso permitiu uma perspectiva melhor do curso e da profissão. É muito bom ter contato com a equipe e trabalhar com eles fora da universidade”.
A coordenadora do projeto reforça que a universidade tem um papel central na solução de problemas urbanos. “É onde se formam os profissionais que atuarão nessas áreas, onde se produz conhecimento científico capaz de embasar políticas públicas e onde se constrói um espaço de reflexão crítica sobre os desafios urbanos”, conclui.