Conheça o tatu que viveu no Paraná há 40 milhões de anos Descrição do mamífero, registrado por um fóssil do Museu de Ciências Naturais da UFPR, ajuda a compreender o passado da região de Curitiba
Reconstrução artística hipotética do tatu que viveu no Eoceno médio-tardio do Brasil. Ilustração: Márcio L. Castro/Reprodução

Se pudéssemos voltar à Curitiba de 40 milhões de anos atrás, encontraríamos um clima quente e áreas pantanosas. Vislumbrar esse passado só é possível graças aos vestígios acumulados na Bacia Sedimentar de Curitiba (Formação Guabirotuba), conjunto de rochas descoberto nos anos 1960 no Paraná, e onde vêm sendo achados fósseis de animais desde 2010.

No início deste ano, um artigo que estampou a capa do Journal of Vertebrate Paleontology, assinado por pesquisadores do Museu de Ciências Naturais (MCN) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apresentou uma nova espécie já extinta de tatu Parutaetus, que apresenta diferenças das demais espécies já descritas desse gênero.

O estudo foi desenvolvido pela pesquisadora Tabata D’Maiella Freitas Kllimeck, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Zoologia da UFPR, e Fernando Antônio Sedor, coordenador do MCN-UFPR; em parceria com Martín Ciancio, do Museu de Ciências Naturais de La Plata, na Argentina, e Leonardo Kerber, do Centro de Ciências Naturais e Exatas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

GALERIA | Pesquisadores analisaram fóssil tombado do acervo do museu
Fósseis de osteodermos (escamas ósseas característicos dos tatus) do Parutaetus oliveirai
Análise dos fósseis de osteodermos
Tabata Kllimeck e Fernando Sedor em frente ao Museu de Ciências Naturais
Fotografias e renderização de volume (dados tridimensionais) das escamas fossilizadas
Os fósseis de escama do Parutaetus oliveirai no acervo do museu
Reconstruções em computador mostrando os detalhes morfológicos (das formas) das escamas
Edição da revista científica Journal of Vertebrate Paleontology, que ilustrou a descoberta
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Fósseis de osteodermos (escamas ósseas característicos dos tatus) do Parutaetus oliveirai
Análise dos fósseis de osteodermos
Tabata Kllimeck e Fernando Sedor em frente ao Museu de Ciências Naturais
Fotografias e renderização de volume (dados tridimensionais) das escamas fossilizadas
Os fósseis de escama do Parutaetus oliveirai no acervo do museu
Reconstruções em computador mostrando os detalhes morfológicos (das formas) das escamas
Edição da revista científica Journal of Vertebrate Paleontology, que ilustrou a descoberta
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O animal recebeu o nome de Parutaetus oliveirai, em homenagem ao paleontólogo Édison Vicente Oliveira, que descreveu outras espécies de tatu extintas, como Riostegotherium yanei e Proeocoleophorus carlinii. “Foi uma forma de dizer obrigado por suas contribuições à ciência”, diz Klimeck.

Achado complementa conhecimento sobre a fauna de quando o Paraná era um vale pantanoso

A descrição do Parutaetus oliveirai traz uma nova peça do quebra-cabeça que tenta recriar a imagem da região de Curitiba na época do Eoceno, intervalo entre 56 e 33,9 milhões de anos atrás. Hoje, já se sabe que o local compreendia um grande vale, onde desaguavam pequenos riachos, formando rios, lagos temporários e pântanos rasos.

“Um cenário semelhante ao do atual pantanal”, compara Klimeck.

A fauna de vertebrados era diversificada: pesquisadores já identificaram fósseis de peixes, anfíbios, crocodilianos, tartarugas, aves carnívoras gigantes e mamíferos, incluindo sete formas de tatus, também chamados de cingulados. Foram encontrados ainda vestígios de marsupiais extintos, parentes dos gambás e cangurus de diferentes tamanhos.

Um dos tatus descritos anteriormente, o Proeocoleophorus carlinii, atingiu a dimensão do atual tatu canastra, a maior espécie viva hoje. Já o Parutaetus oliveirai, descrito pelo recente estudo do MCN-UFPR, tinha o tamanho do atual tatu-peludo (Euphractus sexcinctus), que pode chegar a 40 centímetros de comprimento.

Tatus da Bacia Sedimentar de Curitiba continuam no foco dos cientistas

A pesquisa começou com a análise de um fóssil de tatu tombado no MCN-UFPR. “Notamos que certas características não se encaixavam nas descritas para as espécies de Parutaetus já conhecidas. Após discussões com especialistas em nosso grupo de pesquisa, concluímos que seria uma nova espécie”, diz a pesquisadora.

Uma das características dos tatus é a presença dos chamados osteodermos, estruturas ósseas que se formam na camada mais profunda da pele (derme), funcionando como uma armadura natural, explicam os pesquisadores. Essa carapaça é composta por vários osteodermos, que apresentam forames pilíferos, aberturas por onde saem os pelos que recobrem seus corpos.

Klimeck e os colegas perceberam que o fóssil analisado apresentava maior quantidade de forames pilíferos e os osteodermos eram mais espessos do que os conhecidos até então. “Com essas características, provavelmente os osteodermos apresentavam maior armazenamento de gordura e mais pêlos, para seu equilíbrio térmico”.

O Parutaetus oliveira foi a quinta espécie de tatu do gênero Parutaetus descoberta na América do Sul.

“A capa do JVP não é apenas um espaço bonito. É um selo de qualidade que abre portas para colaborações, facilita o acesso a recursos e faz com que nossos colegas no exterior descubram e valorizem o patrimônio paleontológico brasileiro”, diz a pesquisadora.

Klimeck continua trabalhando para identificar novas espécies, com foco nos cingulados da Bacia Sedimentar de Curitiba. Para ela, o conhecimento gerado agora, somado aos anos de coletas em campo, análises detalhadas e comparações com materiais de museus nacionais e internacionais, será fundamental para desvendar a história evolutiva desse grupo de mamíferos sul-americanos.

Mas, além dos cingulados, a Formação Guabirotuba abriga uma ampla diversidade de vertebrados fósseis. “Nossa equipe está pronta para produzir estudos de alto impacto e continuar desenterrando histórias que esperaram milhões de anos para serem contadas”, finaliza Klimeck.

➕ Leia com mais detalhes no artigo “Revealing the diversity of Paleogene cingulates from Brazil: a new species of Parutaetus (Euphractinae) in the Guabirotuba Formation (middle-late Eocene)”, publicado na Journal of Vertebrate Paleontology (aberto, em inglês)

Conteúdo disponibilizado para replicação por meio da licença CC BY 4.0 DEED (com citação de fonte).
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