Classificar a imensa gama de insetos do Brasil é um verdadeiro trabalho de formiguinha. O desafio começa com a diversidade dessa classe, que abraça 73% das 125 mil espécies de animais registradas no país. O número impressiona, mas não para por aí: se todas as espécies de insetos brasileiros fossem identificadas, sua quantidade saltaria quase cinco vezes, resultando em algo próximo de 500 mil. Em outras palavras: há muito a ser descoberto nesse campo.
Isso é o que mostra a segunda edição do livro Insetos do Brasil — Diversidade e Taxonomia, publicado este ano pela Editora Inpa, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. A obra de 880 páginas, com artigos de 97 entomologistas (pesquisadores de insetos), teve a coordenação de dois professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Gabriel Augusto Rodrigues de Melo e Claudio José Barros de Carvalho, ambos do Departamento de Zoologia.
GALERIA | Cenas de dois laboratórios de insetos da UFPR
Ao lado dos pesquisadores José Albertino Rafael, do Inpa; Sônia Casari, da Universidade de São Paulo (USP); e Reginaldo Constantino, da Universidade de Brasília (UnB), os entomólogos do Setor de Ciências Biológicas se dedicaram à atualização do livro publicado em 2012, que levou dez anos para ser elaborado e descreveu todos os insetos brasileiros descobertos até então.
A primeira grande sistematização dos insetos do Brasil foi feita pelo médico e entomologista Ângelo Moreira da Costa Lima, entre os anos 1950 e 1960. Considerado o pai da entomologia brasileira, o pesquisador fluminense morreu sem conseguir mapear todas as ordens de insetos, deixando um legado, mas também uma missão às próximas gerações de pesquisadores.
Ao assumir essa empreitada, há mais de duas décadas, os pesquisadores da UFPR e seus colegas se propuseram a criar um mapa taxonômico parecido com o livro The Insects of Australia, obra minuciosa e didática publicada pela primeira vez nos anos 1970 e atualizada em 1991.
Tendo a segunda maior coleção entomológica do Brasil, fundada por Padre Jesus Santiago Moure, e uma expertise de décadas no assunto, a UFPR foi peça-chave nesse mapeamento, realizado em duas edições, uma em 2012 e outra em 2024.
“Provavelmente, um próximo livro que saia daqui a dez anos tenha ainda mais espécies. Acabamos de encontrar uma nova na casa onde viveu Padre Moure. Olha só que ironia!”, diz Melo. “Mas a terceira edição com certeza será mais fácil para todos nós, devido ao acúmulo de conhecimento que temos sedimentado”, acrescenta.
Catalogação é uma corrida contra o tempo
Conhecidos na literatura científica como hexápodes, por terem seis patas, os insetos são fundamentais para o equilíbrio ecológico, mas muitos podem desaparecer sem sequer terem sido identificados, diz Melo.
Segundo o professor, a velocidade com que os ecossistemas estão sendo destruídos vem se acelerando nos últimos anos em todos os biomas, comprometendo a diversidade das espécies nativas.
O entomólogo cita o exemplo do Cerrado, cujo grau de devastação é maior que o da Amazônia, devido à expansão agrícola. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, só entre 2022 e 2023, o desmatamento no Cerrado cresceu 16,5%.
Além dos problemas ambientais, essa dificuldade também é perpassada pela escassez de taxonomistas especializados em entomologia e de recursos financeiros destinados à formação desses profissionais. Nessa corrida contra o tempo, Melo espera que cada vez mais gente comece a valorizar a natureza ultrapassando qualquer viés utilitário.
“Precisamos recuar da visão imediatista que enxerga os recursos naturais com base no que eles podem nos oferecer. O certo é a gente criar uma visão mais contemplativa, de apreciação da natureza pela natureza. Porque se isso acaba, vai ser caro ou impossível restaurar”.