Antes de ser maestro do Coro da UFPR, em 1984, Álvaro Nadolny foi seminarista e, apesar de não ter se tornado padre, a fé católica permaneceu. Daí seu interesse na Capela da UFPR, que frequenta desde os tempos de estudante de Música, entre os anos de 1977 e 1982. Instalada no térreo do Edifício Dom Pedro I, a capela é considerada por Nadolny um lugar especial para ensaios musicais, por conta da “acústica fantástica”. Quando universitário, contudo, o que o atraía no espaço eram as oportunidades de debater questões religiosas com professores, uma vez que muitos deles eram sacerdotes católicos — os antigos catedráticos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fundada por padres maristas.
Um professor de Filosofia, em especial, costumava receber alunos com frequência para pequenas palestras: o padre Diniz Mikosz, falecido em setembro de 2018. “Ele chegava de improviso no intervalo das aulas e falava com os alunos por cerca de meia hora ou quarenta minutos sobre quaisquer temas que quisessem”, conta Nadolny.
“Uma vez, um aluno perguntou a ele sobre o celibato dos padres, o porquê de existir. Lembro que o padre não fugiu da resposta, mas não me recordo dela, só de ter achado a pergunta ousada”.
A Capela da UFPR foi projetada pelo engenheiro e arquiteto Rubens Meister, especialista em acústica, um indício de que, desde o início, planejava-se que fosse um ambiente não só religioso, mas também musical. A justificativa para a instalação da capela no prédio federal é, porém, possivelmente mais tradicional. Tratava-se de uma praxe ainda forte nos 1960 (quando um censo identificou que mais de 93% dos brasileiros eram católicos) e de um estreitamento de laços bastante corriqueiro entre governos e a Igreja.
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Um exemplo forte disso está em Brasília, inaugurada em abril de 1960, onde existem capelas no Palácio da Alvorada, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, além da Catedral Metropolitana, na Esplanada dos Ministérios — a despeito de o arquiteto que desenhou os edifícios da cidade, Oscar Niemeyer, ter sido ateu confesso. O texto da publicação oficial que registrou a reabertura da capela do Senado, em abril de 2001, dá ideia das motivações desses espaços ao afirmar que ela seria “destinada a orações e atos religiosos dos servidores e parlamentares da Casa” (1).
Contudo, a Capela da UFPR tem pequenos tesouros que tornam sua criação uma peculiaridade para o Edifício Dom Pedro I. Um deles é a escultura da Virgem de Carmo, uma imagem de resina trazida da Espanha. O outro são os vitrais com a representação da via crúcis de Jesus Cristo, que o mostram no trajeto do pretório ao calvário.
O vitral foi construído pelo ateliê Vitrais Conrado, fundado em São Paulo pelo alemão Conrado Sorgenicht em 1888 e que alcançou notoriedade ao elaborar projetos em prédios públicos, igrejas e teatros, entre eles o Municipal de São Paulo.
Rubens Meister concebeu os vitrais como parte essencial do projeto arquitetônico da capela; foram pensados para proporcionar diferentes tipos de iluminação, que varia conforme a hora do dia e a incidência solar. O conjunto da capela — bancos de madeira, altar de pedra e sacristia — abrangem cerca de 110 metros quadrados do térreo do edifício, que tem pouco mais de 836 metros quadrados. O projeto original incluía elevações para o altar e o coro, que acabaram demolidas. Além da área interna, a capela foi projetada para ter um pequeno hall, com banheiros sob a rampa do prédio e uma área coberta nos fundos, voltada para a Rua XV de Novembro (2).
Talvez pelas mudanças nos perfis dos professores — a partir da década de 1990, quando ocorreu uma série de aposentadorias de docentes mais antigos — e dos alunos da universidade, a capela permaneceu subutilizada durante um período longo.
A bem da verdade, mesmo Nadolny lembra do comentário corrente entre os seus colegas já nos anos 1980: “é lugar de velório”.
O porteiro aposentado José Barcelar de Azevedo, que trabalhou e morou no Edifício Dom Pedro I entre 1993 e 2017, conta que os velórios eram realmente o principal motivo para que fosse convocado a abrir a capela, em geral de madrugada. O mais longo dos velórios que registrou, segundo consta, durou mais de um dia.
Os desafios da restauração no século seguinte
A soma de abandono e falta de manutenção, da qual a parte mais visível eram vidros quebrados nos vitrais que dão para a Rua General Carneiro, levou a um plano da administração da universidade para restaurar a capela, em 2012. A ideia era que a capela integrasse o projeto Corredor Cultural, que propunha levar atividades culturais também ao Teatro da Reitoria e ao Prédio Histórico. Assim, a capela se tornaria oficialmente um espaço híbrido, capaz de abrigar de cerimônias religiosas a eventos como concertos, recitais e apresentações de corais.
No projeto, a arquiteta Neuza Noguchi Machuca destacou a importância da participação das entidades de patrimônio histórico do Paraná no processo, uma vez que o conjunto de edifícios da Reitoria — o Dom Pedro I e o Dom Pedro II — são tombados pelo Estado (2).
A reinauguração da capela ocorreu em 2014. O restauro dos vitrais era um ponto crítico do projeto, mas também uma oportunidade de analisar a fundo uma estrutura característica e original da capela. Os vidros foram mapeados e avaliados — etapa importante para que a substituição dos materiais garantisse a preservação da concepção da obra. Foi possível constatar, por exemplo, que a marquise projetada por Meister havia ajudado a resguardar as cores dos vitrais.
A vidreira Loire Nissen, que coordenou a restauração, conta ter se surpreendido com aspectos dos vitrais, entre os quais o tamanho dos vidros, que tinham lados com 1,24 metro, e a forma artesanal com que alguns deles foram produzidos. Eram os “legítimos vidros catedrais”, produzidos por sopro.
“A retirada dos painéis foi trabalhosa e perigosa, pelo tamanho, peso e delicadeza do vitral. Muitos transeuntes paravam para conversar. Eram pessoas de fora da universidade, algumas que frequentavam as missas. Todas empolgadas com o restauro”, conta.
As cores que produzem a iluminação mutante da capela também ficaram na lembrança de Loire. “Algumas cores me chamaram a atenção: o azul noite, que não é mais fabricado, e tons de âmbar esverdeado, que eu nunca tinha visto”, lembra.