O Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais, em Pontal do Paraná, é o habitat de uma espécie de caracol descoberta por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nomeado Drymaeus currais em homenagem ao parque, o invertebrado é nativo da ilha paranaense e restrito a esse local, por isso está ameaçado de extinção. O estudo feito pelos cientistas, publicado na revista científica Papéis Avulsos de Zoologia, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), revela que a espécie resulta de um processo evolutivo que a tornou distinta do Drymaeus castilhensis, molusco natural da Ilha de Castilho, que fica a aproximadamente 70 quilômetros ao norte do parque.

Presença de moluscos terrestres em  local de grande variedade de invertebrados marinhos despertou curiosidade sobre a origem daqueles animais e como chegaram às Ilhas dos Currais

Apesar da concha rajada muito similar à do Drymaeus castilhensis, um estudo anatômico complementar demonstrou importantes diferenças que permitiram a separação específica. As principais características exclusivas da espécie foram observadas nos órgãos genitais e nos intestinais. A pesquisa é conduzida pelo professor Carlos Eduardo Belz, do Centro de Estudos do Mar (CEM) e pelo pesquisador Marcos de Vasconcellos Gernet, do Programa de Pós-Graduação em Zoologia da UFPR, em parceria com o professor Luiz Ricardo Simone, da USP.

“Pela semelhança visual com o Drymaeus castilhensis, pensamos se tratar da mesma espécie e ficamos intrigados. Moluscos terrestres são organismos muito sensíveis, por isso é difícil imaginar que um indivíduo pudesse ter chegado até a região flutuando em alguma coisa ou carregado por aves marinhas”, explica Belz.

Quando os cientistas identificaram moluscos terrestres em um local que possui grande variedade de invertebrados marinhos, ficaram curiosos sobre a origem desses animais e como chegaram até a ilha.

GALERIA | Conheça o habitat do Drymaeus castilhensis
Vista do Arquipélago de Currais, formado por três ilhas e recifes a dez quilômetros da costa de Pontal do Paraná (PR)
O arquipélago foi transformado no Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais por uma lei federal em junho de 2013. É o único do tipo fora do Nordeste brasileiro
Atobá adulto (à esq,) ao lado de um filhote em uma área de nidificação da espécie nas Ilhas dos Currais
De acordo com cientistas da UFPR, o equilíbrio do ecossistema que sustena a existência do caracol é frágil, e mudanças bruscas nele podem levar à extinção da espécie, especialmente se reduzir a umidade da região (caso, por exemplo, de uma queimada)
As Ilhas dos Currais concentram ninhos de aves (calcula-se que cerca de 8 mil habitem a região), além de os seus recifes serem hábitat de animais marinhos em risco de extinção, como o mero, maior peixe ósseo do Atlântico Sul
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o arquipélago é o maior berçário do atobá (Sula leucogaster Bod.) no Brasil
Atobá adulto (à esq,) ao lado de um filhote em uma área de nidificação da espécie nas Ilhas dos Currais
Na foto, o pesquisador Marcos de Vasconcellos Gernet, do Programa de Pós-Graduação em Zoologia da UFPR; e o professor Carlos Eduardo Belz, do Centro de Estudos do Mar da UFPR, que investigam a região desde 2017
previous arrow
next arrow
Vista do Arquipélago de Currais, formado por três ilhas e recifes a dez quilômetros da costa de Pontal do Paraná (PR)
O arquipélago foi transformado no Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais por uma lei federal em junho de 2013. É o único do tipo fora do Nordeste brasileiro
Atobá adulto (à esq,) ao lado de um filhote em uma área de nidificação da espécie nas Ilhas dos Currais
De acordo com cientistas da UFPR, o equilíbrio do ecossistema que sustena a existência do caracol é frágil, e mudanças bruscas nele podem levar à extinção da espécie, especialmente se reduzir a umidade da região (caso, por exemplo, de uma queimada)
As Ilhas dos Currais concentram ninhos de aves (calcula-se que cerca de 8 mil habitem a região), além de os seus recifes serem hábitat de animais marinhos em risco de extinção, como o mero, maior peixe ósseo do Atlântico Sul
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o arquipélago é o maior berçário do atobá (Sula leucogaster Bod.) no Brasil
Atobá adulto (à esq,) ao lado de um filhote em uma área de nidificação da espécie nas Ilhas dos Currais
Na foto, o pesquisador Marcos de Vasconcellos Gernet, do Programa de Pós-Graduação em Zoologia da UFPR; e o professor Carlos Eduardo Belz, do Centro de Estudos do Mar da UFPR, que investigam a região desde 2017
previous arrow
next arrow
 

Os indícios levam a acreditar que o invertebrado iniciou o processo de especiação, isto é, de evolução há centenas de anos, quando o mar de toda a costa brasileira era muito mais recuado.

“Nessa época, Currais ainda não era um arquipélago e pertencia ao continente. Provavelmente espécies similares circularam por essa região e, com o avanço do mar e da linha de praia, as ilhas ficaram isoladas e isolaram também essa população de molusco”, conta o professor. Após centenas de anos em que os animais ficaram se reproduzindo entre eles, aconteceu a divisão das linhagens.

Caracóis da espécie dependem da umidade do clima

Para Gernet, um dos aspectos mais interessantes e, ao mesmo tempo, preocupantes da descoberta é o fato de o habitat da espécie ser reduzido a um ambiente insular tão pequeno.

Com uma concha de cerca de dois centímetros, o caracol terrestre foi encontrado em área sombreada, habitando troncos e folhas das árvores e nas bromélias dos costões rochosos das Ilhas dos Currais
Com uma concha de cerca de dois centímetros, o caracol terrestre foi encontrado em área sombreada, habitando troncos e folhas das árvores e nas bromélias dos costões rochosos das Ilhas dos Currais

Até mesmo a estiagem pela qual o estado está passando é um fator de risco para esses caramujos, que dependem da umidade para sobreviver e, na ilha, basicamente a umidade a que têm acesso é proveniente da chuva. “Os indivíduos estão limitados a essa ilha, nem nas outras ilhas desse mesmo arquipélago foram localizados exemplares. Por isso, esse pequeno ambiente tem extrema importância para a manutenção dos animais dessa classe. Qualquer interferência ou desequilíbrio que ocorra nessa ilha, como uma queimada na vegetação, implica o desaparecimento da espécie”.

O gênero Drymaeus pertence à família bulimulidae, moluscos gastrópodes como caracóis e lesmas, e possui cerca de 300 espécies, das quais 49 ocorrem no Brasil. O caracol terrestre descrito pela equipe é exclusivo do Arquipélago de Currais e foi encontrado em área sombreada, habitando troncos e folhas da vegetação arbórea da floresta e nas bromélias dos costões rochosos presentes na região.

A descoberta do molusco é importante para a biodiversidade do litoral paranaense e sugere que o ambiente está favorecendo o aparecimento de novas espécies. De acordo com os pesquisadores, o estudo, que iniciou em 2017, aponta para a existência de diferenças anatômicas entre duas populações de conchas quase indistinguíveis e indica, portanto, a necessidade de explorar o máximo possível as características além da concha nesses organismos.

Como as Ilhas dos Currais se tornaram parque nacional marinho

Criado em 2013, o Arquipélago de Currais é o terceiro Parque Nacional Marinho do Brasil. A área tem extrema importância para a biodiversidade marinha do litoral do Paraná, apesar de ser pouco conhecida pela população e de ainda não ser objeto de muitos estudos.

O Arquipélago está localizado na porção central do litoral paranaense, a aproximadamente seis milhas náuticas do município de Pontal do Paraná. Constituído por um grupo de três pequenos ilhéus rochosos, a Ilha do Grapirá representa 81% da sua área total, que possui 1.357,7 hectares.

Para Belz, a descrição de novas espécies endêmicas de uma ilha relativamente pequena reforça a necessidade de proteção ambiental do Arquipélago de Currais. “É muito importante o fato dessa nova espécie estar em um Parque Nacional Marinho paranaense e que ainda tem pouco conhecimento gerado a seu respeito. Isso valoriza o parque, que precisa de apoio e divulgação”.

Tags:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *