Como espécies introduzidas pela ação humana desequilibram ecossistemas Estudo do Laboratório de Ecologia e Conservação do Departamento de Engenharia Ambiental da UFPR aponta que animais inseridos no ambiente por ação humana têm mais chances de sobreviver do que os nativos, podendo levar a catástrofes ecológicas
Florestas destruídas por castores na Patagônia Argentina, em Tierra del Fuego. Foto: denisbin/Flickr

Em 1946, o governo argentino introduziu dez pares de castores canadenses na Tierra del Fuego, província no extremo sul do país. A ideia era fomentar a produção de casacos de pele, mas a população desses animais cresceu acima do esperado, o que levou à destruição de florestas inteiras. Situações assim, em que espécies introduzidas pela ação humana (as chamadas espécies exóticas invasoras) desequilibram ambientes sem preparo para recebê-las, são comuns no mundo todo. E um estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que analisou pesquisas sobre o tema, concluiu que as espécies colocadas no novo ecossistema são mais eficazes em consumir recursos em comparação às nativas, causando desequilíbrio a longo prazo.

Essa hipótese já vinha sendo debatida por diversos autores, mas, pela primeira vez, foi testada com base em evidências quantitativas globais. A metanálise de estudos experimentais comparativos entre espécies nativas e exóticas foi conduzida pela bióloga Larissa Faria, doutoranda do Laboratório de Ecologia e Conservação da UFPR, orientada pelo professor Jean Vitule, do Departamento de Engenharia Ambiental.

O estudo, financiado pelo CNPq e Fulbright, contou ainda com a colaboração dos pesquisadores Jonathan Jeschke e James Dickey, associados à Freie Universität Berlin, da Alemanha; Ross Cuthbert e Jamie Dick, da Queen’s University Belfast, do Reino Unido; e Anthony Ricciardi, da McGill University, do Canadá.

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Para ser considerada invasora, uma espécie precisa estar aumentando sua população e causando algum impacto, explica Faria. Em alguns casos, a introdução delas é intencional para cultivo, pesca, caça esportiva ou ornamentação, mas há situações acidentais, como ocorre no vazamento de água de lastro de navios ou em escapes de cultivos. Em todas elas, existe interferência humana.

“As espécies invasoras representam risco pois são elementos novos em um ecossistema que evoluiu sem a presença delas. Isso causa um desequilíbrio ecológico, que pode ter impactos ambientais, sociais e econômicos”, diz a pesquisadora.

Faria exemplifica o fenômeno com a introdução da perca-do-Nilo no Lago Vitória, na África. O animal foi inserido para aumentar a produção pesqueira, mas, por ser um predador de grande porte, levou à devastação de diversas espécies nativas de peixes. Muitas foram extintas por serem vulneráveis a esse novo predador e não estarem preparadas para se defender dele.

Outro exemplo foi a introdução de javalis para corte de carne exótica no Brasil. Hoje, o animal está presente nos seis biomas brasileiros e em 2010 munícipios, causando impactos à saúde pública.

Domínio das espécies nativas é maior entre animais de água doce

O estudo da UFPR descobriu que as espécies nativas geralmente levam mais tempo para consumir suas presas e, consequentemente, consomem menos presas do que uma espécie exótica em um mesmo intervalo. Essa diferença na eficiência em consumir recursos pode explicar o impacto das espécies exóticas invasoras.

“O estudo mostra que as taxas máximas de consumo das espécies não nativas são, em média, 70% superiores do que as taxas das espécies análogas nativas”, diz o professor Vitule.

A pesquisa constatou também um desequilíbrio especialmente intenso entre moluscos, herbívoros e animais de água doce e há duas hipóteses para isso: a primeira tem a ver com o fato de que estudos com invertebrados e em ambientes de água doce são mais comuns porque podem ser realizados em pequenos aquários, sendo facilmente operacionalizados. Por isso, são necessários mais estudos em ecossistemas maiores, e com maior realismo, como em mesocosmos (sistemas experimentais projetados para simular um ecossistema sob condições controladas) e experimentos naturais.

Outra hipótese vem do fato de que ambientes aquáticos são isolados uns dos outros e, por isso, têm uma fauna específica que evoluiu adaptada às condições daquele local, com poucos mecanismos de defesa para lidar com ameaças externas.

“O que não sabemos ainda é se a superioridade das espécies exóticas pode ser explicada por algo intrínseco a elas ou se está mais relacionada a uma ingenuidade das presas que não conseguem escapar de maneira eficaz dos predadores até então desconhecidos”, diz Faria.

Ecólogos defendem maior fiscalização e divulgação do tema

Mas existe uma forma totalmente segura de inserir uma nova espécie em um ambiente? Segundo a pesquisadora, não. Isso porque é difícil prever os desdobramentos possíveis no novo local. Nesse sentido, ecólogos defendem a adaptação de espécies nativas para o cultivo intensivo em vez da inserção de novas espécies.

O problema é tão sério que o Brasil possui ao menos 85 instrumentos legais sobre esse tema na esfera federal, entre leis, decretos e instruções normativas, e legislações específicas de cada estado. Além disso, a introdução de espécies exóticas sem autorização é crime ambiental, de acordo com a Lei de Crimes Ambientais 9605/1998.

Apesar disso, especialistas pedem mais esforços em prol dessa pauta, como uma maior fiscalização e divulgação do tema. “Não adianta haver uma lei proibindo, se as pessoas não sabem o que é uma espécie exótica invasora e soltam o estoque excedente de tilápias do seu pesque-pague no riozinho mais próximo da sua propriedade, por exemplo”, diz Faria.

Nesse sentido, o estudo da UFPR pode contribuir com o desenvolvimento de novas políticas públicas e protocolos que previnam desastres ambientais decorrentes da introdução de espécies exóticas invasoras, segundo Vitule.

Os próximos passos envolvem aplicar ainda mais o método experimental comparativo para investigar os impactos de espécies exóticas invasoras, a influência das mudanças climáticas e múltiplas invasões nesses movimentos. Cientistas pretendem ainda aumentar a quantidade de estudos em diferentes tipos de habitat e com grupos taxonômicos variados, para trazer mais robustez às evidências obtidas.

“A metodologia que estudamos poderia ser aplicada em protocolos oficiais de avaliação de impacto de espécies exóticas invasoras no país, auxiliando na prevenção de novas introduções ou na erradicação rápida das espécies já introduzidas que forem avaliadas como mais problemáticas do ponto de vista do consumo de recursos”, diz Faria.

➕ Leia o artigo “Non-native species have higher consumption rates than their native counterparts“, publicado no periódico Biological Reviews (aberto; em inglês)
➕ Leia o artigo “Biological invasions: a global assessment of geographic distributions, long-term trends, and data gaps“, também publicado na Biological Reviews (aberto; em inglês)
➕ Leia o capítulo “Invasive species policy in Brazil: a review and critical analysis“, publicado no livro Environmental Conservation, da editora Cambridge University Press (fechado; em inglês)
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