No esboço preliminar do arquiteto David Xavier de Azambuja, o pátio que interligava as duas torres do Complexo Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no Centro de Curitiba, seria uma área de transição para pedestres, cercada de verde, como um bosque. A ideia original se curvou, ainda nos anos 1960, à lógica que ficou famosa devido à política de Juscelino Kubitschek, que tanto associou o transporte rodoviário ao desenvolvimento nacional.
Assim, durante décadas, o pátio serviu de estacionamento para veículos de passeio e de carga, condição que somente perdeu no fim dos anos 1990, quando foi fechado ao trânsito e começou a receber as pinturas horizontais que o caracterizam.
O pátio continua um espaço comunitário — em dias úteis, de universitários; em fins de semana, de crianças e famílias. Mas nem carros estacionados nem a vocação para o lazer impediram que mobilizações políticas expressivas ocorressem ali. Dependendo da época, portanto, a memória de quem teve vive seu dia a dia nesse espaço pode ser tão díspar quanto dias de guerra e de paz.

Na Curitiba do fim dos anos 1960, o Pátio da Reitoria representava um espaço estratégico para a reunião de estudantes das diversas faculdades da cidade. Na região, estavam muito próximos o prédio do diretório dos estudantes da Federal e o maior restaurante universitário da instituição.
Assim, há quem se recorde do pátio como “a maior concentração de estudantes do Paraná”, nas palavras do jurista Carlos Frederico Marés de Souza Filho, que se formou em 1969. Mesmo tendo aulas no Prédio Histórico, na Praça Santos Andrade, onde havia um restaurante universitário, Marés frequentava o restaurante da Reitoria para se envolver nas discussões políticas.
“Os dirigentes tinham que estar em todos os lugares, mas o foco era o restaurante do DCE. Era o centro do debate estudantil na Federal e que chamava estudantes de outras universidades, que corriam também para lá”.
Uma dessas mobilizações se deu em maio de 1968, o ano em que os jornais locais se referiam a militantes políticos como “subversivos” ou “corruptos” e, às manifestações, como “atos de agitação”.
Emblemático da época, o episódio em que uma pedra fora atirada contra o governador de São Paulo Abreu Sodré, um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN), durante as festividades do Dia do Trabalhador, era repercutido pela imprensa sob o nome de “Atentado da Sé”. “Atos de agitação” estavam proibidos pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5), pelo qual a ditadura militar impôs aos brasileiros uma mordaça, a fim de combater “a subversão e as ideologias contrárias às tradições do nosso povo”.
Em 1968, o poeta e escritor Hamilton Faria era estudante de Ciências Sociais na Universidade do Paraná e, como muitos deles, lembra-se do Pátio da Reitoria como um lugar de encontro entre estudantes de todas as universidades. O pátio estava longe de ser um espaço de conspiração, como o restaurante da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras, mas dava vazão a pequenas subversões diárias, como debates políticos (“intermináveis”) e até pequenos comícios.
“Ali ríamos dos policiais que batiam ponto para nos vigiar. Eles tinham apelidos: narigudo, dedo-duro, alemão”, conta.
No pátio, o jovem Hamilton, vestido com seu casaco preto e sapato verde de lona, despontava como liderança estudantil e traçava planos para organizar os calouros dentro da militância.
Ocupação contra o fim da universidade pública
Logo essa mobilização se mostraria importante para que os estudantes reagissem a uma ameaça de fim do ensino público na universidade. Isso porque, ao mesmo tempo que a repressão aumentava, o déficit nas contas públicas pressionava o orçamento dos governos da ditadura, o que se refletia em problemas nos serviços. No Paraná, desde o fim de 1967 o noticiário local mostrava preocupação com as finanças da universidade federal.
Em maio de 1968, segundo um desses registros, o Ministério da Educação e Cultura ainda não havia liberado à instituição o repasse financeiro relativo ao quarto trimestre do ano anterior, “mesmo que com 47% de desconto” — referindo-se ao percentual contingenciado pelo governo.

De acordo com o então reitor Flávio Suplicy de Lacerda, a situação mostraria uma tendência habitual de falta de recursos para a educação superior a ser enfrentada com o fim do ensino público para alguns cursos, especialmente os de turno noturno.
A proposta da reitoria era cobrar uma anuidade de cem cruzeiros novos dos estudantes que ingressassem na universidade a partir do próximo ano letivo.
Apesar do apoio da grande imprensa e de parte dos docentes, o posicionamento foi prontamente rechaçado pelos estudantes. O burburinho sobre a possível reação dos alunos chegou aos jornais curitibanos em meados do mês. Um deles publicou, em 14 de maio, um editorial sobre a crise da universidade em que insistia: “a agitação nada constrói”.
A febre contestadora, porém, já estava no ar, trazida pelos ecos das passeatas estudantis contra o conservadorismo que tomaram a França em 2 de maio.
Assim, no dia 14, o movimento que reuniu universitários e secundaristas tentou impedir a realização do vestibular, no Campus Politécnico, inaugurado sete anos antes na zona Leste de Curitiba. O principal embate, contudo, teve como palco o pátio da Reitoria.
Em 14 de maio de 1968, a reitoria foi ocupada pelos estudantes e cercada de barricadas, formadas por paralelepípedos e madeira. Enquanto isso, o busto em alusão ao reitor foi derrubado e arrastado pelas ruas. Durante longas e tensas horas, os estudantes negociaram para que policiais permanecessem fora do pátio, que só seria liberado com a promessa de que a resolução sobre ensino pago cairia.
O médico José Ferreira Lopes, o Zequinha, recorda-se da sensação de estar cercado de homens armados no mesmo espaço em que estudantes costumavam conversar e descansar no intervalo das aulas.
“Os policiais não fizeram nada, mas estavam armados e havia essa tensão sobre se enfrentariam os estudantes ou não. No fim, a mobilização foi um sucesso, porque não mais se falou sobre anuidade”, afirma.
A retaliação, porém, ocorreu com o fechamento do Diretório Central dos Estudantes, em uma expulsão apoiada pela polícia, bem como no corte de recursos de alimentação para os alunos.
Em dezembro, no episódio conhecido como Caso da Chácara do Alemão, estudantes que participaram da tomada foram presos durante uma reunião política em Curitiba — pelo menos quinze foram espancados por policiais e sofreram sequelas permanentes. À medida que amadurecia sua militância, Zequinha, assim como Hamilton Faria, conheceram as formas mais trágicas de repressão política — a tortura, a prisão e o exílio.
Isso é o que move Zequinha a fazer todos os anos um evento no pátio em memória da Tomada da Reitoria e dos movimentos estudantis paranaenses, com exposição de fotos e debates “para que ninguém nunca esqueça do que foi a ditadura”.