Quem conviveu com o arquiteto curitibano David Xavier de Azambuja (1910-1981) lembra dele como um colecionador de referências. “Estava sempre com uma câmera fotográfica a tiracolo. Onde ia, a levava para registrar detalhes das edificações que via pelo caminho”, recorda-se Sylvio Pellico Neto, professor sênior do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e colega de Azambuja nos anos 1970.
É essa característica, baseada em uma profunda curiosidade sobre arquitetura e suas possibilidades, que fez com que, desde muito jovem, Azambuja se mostrasse um arquiteto interessado em inovações e vanguarda. Daí talvez sua identificação com a arquitetura moderna, descrita por Yves Bruand como “a renovação da arquitetura brasileira”.
Na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde se formou aos 22 anos e foi dela catedrático a partir de 1949, a marca registrada de Azambuja era questionar o conteúdo clássico da arquitetura. A postura inspirava estudiosos da área, mas não raramente colocava colegas na defensiva.

Sobre isso, recorda-se um ex-aluno, Sérgio Roberto dos Santos Rodrigues, que foi monitor do docente na disciplina de composição decorativa: “Ele tinha viajado o mundo inteiro, [tinha] slides incríveis, e eu fiquei entusiasmadíssimo. […] Os meus colegas não entendiam patavina daquilo e inclusive fizeram uma onda contra ele lá dentro”.
Azambuja tinha cerca de 30 anos quando foi nomeado para a comissão que pensou o plano da cidade do Rio, no início da década de 1940. A atuação do arquiteto na capital — que fez com que, mais tarde, desse nome a uma rua residencial no bairro Inhoaíba — contou para que, nos anos 1950, fosse convidado a fazer projetos em Curitiba.
Para os governantes do Estado, o Rio era um símbolo arquitetônico, por seu caráter cosmopolita, de centro cultural e político do País. Havia ainda o fato de o então governador, Bento Munhoz da Rocha, professor na UFPR, ter proximidade e “contatos” com o governo da capital fluminense.
Um desses projetos foi o Centro Cívico da capital paranaense, inaugurado em 1953 para ser a concretização do plano do urbanista francês Alfred Agache desenvolvido para a cidade na década de 1940.
Azambuja coordenou a comissão de arquitetos. É considerado o autor do Palácio Iguaçu e o material de divulgação do projeto sempre destacava o fato de o líder ser paranaense.
Projeto dos edifícios ganhou concurso para prédios federais
O projeto de Azambuja para o Complexo Reitoria foi aprovado por meio de um concurso de anteprojetos, uma forma comum de seleção de projetos para prédios federais também nos anos 1950.
Discreto, o arquiteto não teve sua autoria abordada amplamente nos jornais da época. Os repórteres preferiram destacar a fala de autoridades do governo federal e do então reitor Flávio Suplicy de Lacerda.
Mas não economizaram nos elogios aos prédios. Na edição de 20 de outubro de 1958, o Diário da Tarde afirmou que a “inauguração recente do Edifício da Reitoria, Auditório e Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná” é “prova eloquente da pujança de nossa Universidade”.

Pouco existe documentado sobre o projeto de Azambuja para o Complexo Reitoria, mas é provável que ele tenha relações profundas com a formação do arquiteto. Na Escola Nacional de Belas Artes, Azambuja conviveu com modernistas importantes — foi aluno de Lúcio Costa, arquiteto do Plano Piloto de Brasília, e depois seu colega na comissão do Rio.
Com base nisso, o historiador Claudionor Beatrice identifica semelhanças entre o Edifício Dom Pedro I e um projeto datado de 1936 de Lúcio Costa e Le Corbusier, arquiteto suíço que influenciou os modernistas brasileiros. A Universidade do Brasil, que não saiu do papel, seria uma cidade universitária a ser instalada onde hoje está o Estádio do Maracanã.
“O prédio tem uma solução estrutural que está nesse projeto, o anfiteatro em sistema pavilhonar nos andares”, explica Beatrice.

O edifício da Universidade do Brasil seria mais baixo (três andares), mas há indícios de que Azambuja adotou a estratégia na Reitoria.
Beatrice também percebe outras inspirações dos mestres de Azambuja na Reitoria, tais como os brises verticais, que são a marca dos edifícios da UFPR, da mesma forma que os brises horizontais se destacam no prédio do Palácio Capanema, no Rio, projetado por Costa.
Professor de arquitetura “refugiado” na engenharia florestal
Nos anos 1970, Azambuja estreitou laços com a UFPR, tornando-se professor da instituição — primeiro do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, onde mal chegou a lecionar e, na sequência, do Departamento de Engenharia Florestal, já na época chamado simplesmente de “Floresta”.
Já possuía uma longa carreira, faltava pouco tempo para a aposentadoria, e queria passá-la em Curitiba. Sebastião do Amaral Machado era chefe do Floresta quando da transferência de Azambuja.
Segundo Machado, o currículo do arquiteto foi um dos chamarizes para que Azambuja fosse transferido, com vaga e tudo, da Arquitetura, onde mal chegou a lecionar.
“Vimos com bons olhos porque a pós-graduação era nova, precisava de massa crítica. Eu e os outros professores éramos novos e não tínhamos doutorado, que era raro na época”, conta.

Da convivência com docentes bem mais jovens do que ele, Azambuja é lembrado pelo bom humor e pela disposição em ajudar. “A gente gostava dele, era uma pessoa boa e de fácil trato. Chamava-nos de ‘meninos’, tendo em vista que tínhamos menos de 30 anos e ele já tinha seus 60”, lembra Machado.
O professor Sylvio Pellico Neto, um dos colegas mais próximos a Azambuja — chegou a ser visitado por ele durante seu doutorado na Alemanha, em 1978 —, conta que a vinda do professor inaugurou a disciplina de paisagismo no Floresta, que permanece até hoje.
“Os projetos de arquitetura de Azambuja sempre incluíram uma parte paisagística, de que ele gostava muito. Então, antes da sua transferência, disse que tinha interesse em ensinar ‘os meninos’ sobre essa área. Discutimos no departamento e criamos a disciplina”.
A aproximação do arquiteto com o paisagismo ocorrera durante uma especialização nos Estados Unidos, nos anos 1930. Um dos projetos da vida de Azambuja, para o qual ele se dedicava pesquisando e desenhando flores, era fazer um livro sobre paisagens — o que só foi publicado postumamente, em 2000.
Quando o professor faleceu, em 1981, deixou uma biblioteca de livros técnicos que a família doou à UFPR. Outros quatro livros foram dados de presente ao engenheiro Miguel Milano, ex-aluno e monitor da disciplina de Azambuja. Já antigos, os livros de paisagismo, editados em inglês, trazem as marcas da leitura do professor, feitas a lápis e com sinais de visto.
Milano se recorda de Azambuja como um catedrático jovial, que não tinha dificuldades em conviver com jovens de 20 e poucos anos como ele. Com mais de 70 anos, ainda dirigia e dava carona aos alunos. Quando se deparava com um motorista apressado, acelerava para não ficar para trás.
“Ele era tão bem humorado que, já doente, brincava que morrer não deveria ser assim tão ruim, já que ‘ninguém voltava’”, conta.