Ao avaliar a influência da educação no desenvolvimento econômico em diversos níveis regionais (das microrregiões aos Estados), uma dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) apontou que as políticas educacionais pensadas para microrregiões podem ser mais efetivas do que as municipais ou mesmo estaduais. A partir dessa conclusão, o trabalho sugere que os dados microrregionais são mais precisos para a investigação da relação entre o ensino fundamental e o crescimento regional no país, apesar de nem sempre serem cogitados nesse tipo de estudo. O termo microrregião, criado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos anos 80, se refere a municípios limítrofes com similaridades econômicas e sociais — o cálculo mais recente define 558 microrregiões no Brasil.
Segundo o estudo, em nível estadual, uma melhoria de 10% na qualidade educacional contribui para uma expansão de 25,27% do PIB per capita
“Normalmente os trabalhos na área analisam apenas um estado ou uma região metropolitana especificamente”, explica a economista Laura Calvi Gomes, autora da dissertação “Dois ensaios sobre a qualidade da educação e crescimento regional no Brasil” e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Urbano e Regional (Nedur) da UFPR. Para Laura, um efeito adverso desse recorte típico é que ele despreza as dinâmicas tanto das famílias à procura de educação quanto dos trabalhadores que desejam o maior retorno possível para a sua formação — movimentações que apresentaram impacto relevante nas análises. A abordagem rendeu o primeiro lugar entre as dissertações do XXIV Prêmio Brasil de Economia 2018, entregue pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon).
É com foco na conclusão de que a migração pendular (o deslocamento diário entre cidades por motivo de trabalho) é um aspecto importante na economia regional que o estudo sugere que as políticas públicas educacionais com foco nas necessidades do espaço microrregional têm mais chances de serem bem-sucedidas. O reflexo da migração aparece, por exemplo, na constatação de que nem sempre os bons índices de qualidade educacional dos municípios coincidem com bons índices de desenvolvimento – e vice-versa.
A avaliação de dados microrregionais, porém, foi a que mostrou de forma mais expressiva o reflexo da qualidade da educação sobre o Produto Interno Bruto (PIB) per capita. “Esse resultado está possivelmente ligado aos efeitos de migração tanto para o estudo quanto para o trabalho, pois os indivíduos mais preparados tendem a buscar melhores oportunidades de educação, principalmente no nível superior, e de trabalho em regiões diferentes do seu local de residência”, avalia Alexandre Alves Porsse, orientador da pesquisa e coordenador do PPGDE.
Município que investe em educação sozinho pode não sentir reflexos econômicos
O estudo parte da premissa de que a qualidade da educação está diretamente ligada à produtividade da força de trabalho — ou seja, os investimentos em educação se refletem em desenvolvimento econômico dos países. Em âmbito estadual, o estudo apontou que uma melhoria de 10% na qualidade educacional contribui para uma expansão de 25,27% do PIB per capita. É o que ocorre, por exemplo, quando um Estado aumenta a nota média na Prova Brasil de 4 para 4,4.
No cruzamento de dados, foram usadas as estatísticas do Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 2010 e da Prova Brasil de 2009 — o indicador do MEC que capta, a cada dois anos, o conhecimento de leitura e raciocínio matemático de alunos do 5.º e do 9.º ano de escolas públicas. A pesquisa contemplou todas as microrregiões, mesorregiões e os estados do país e observou a maioria dos municípios brasileiros. As redes públicas de ensino estadual, municipal e federal foram analisadas. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontam que essas redes incorporam 86% das matrículas da educação básica.
A metodologia — que inclui na análise as variáveis defasadas espacialmente, chamadas de variáveis W — é considerada por Laura a que melhor explica a relação da qualidade da educação fundamental com o PIB per capita — o produto interno bruto dividido pelo número de habitantes do país.
“Basicamente são variáveis para ver como a matriz de vizinhança ou de contiguidade (W) se comportará. Por exemplo, como municípios vizinhos reagem quando uma cidade próxima tem bons índices de educação. Você testa para ver se essa cidade tenderá a ter boa qualidade de ensino também. Essa segunda opção pode indicar que ali faltam recursos ou até mesmo que as pessoas migrem para aquela região”, detalha a economista.
Mapas utilizados na dissertação mostram as diferenças nos níveis de qualidade da educação, com base na Prova Brasil e nos níveis de renda per capita. “Fica nítido que os dois mapas não se sobrepõem exatamente. Ou seja, essa relação não é automática e nem sempre verificada”, diz Laura. Esse é um indicativo de que o conhecimento propiciado pela educação no município nem sempre será percebido por ele, o que reforça a necessidade de que as políticas públicas levem em consideração a realidade microrregional.
Incrementar e aprimorar as políticas para qualidade da educação, com ações focalizadas espacialmente, para buscar reduzir os diferenciais de qualidade de ensino, também são iniciativas apontadas como relevantes pelo estudo.
“O ensino fundamental é o pilar do sistema de educação em sentido amplo e uma melhoria no grau de aprendizagem neste nível de ensino gera efeitos multiplicadores nos níveis superiores de ensino, contribuindo para a formação de uma população mais preparada e produtiva. Contudo, para potencializar os benefícios de melhorias na qualidade do ensino fundamental, é preciso também implementar ações para aumentar a retenção de jovens no ensino médio, uma vez que existe grande evasão”, diz Porsse.
MODELOS NACIONAIS UNIFORMES SÃO INEFICAZES, AFIRMA PESQUISA
O trabalho científico inclui um questionamento sobre a eficácia de modelos nacionais unificados para a educação, já que os municípios têm realidades distintas que influem no resultado das políticas públicas. A prioridade nas necessidades regionais têm permitido com que regiões superem gargalos, melhorando a qualidade da educação e a preparação dos alunos, segundo a pesquisadora Laura Gomes.
Para a economista, o modelo focalizado é o que explica a evolução no ensino apresentada pelo município de Sobral (CE), de 200 mil habitantes, que superou os indicadores abaixo da média nacional que apresentava no início dos anos 2000, entre elas, o alto grau de analfabetismo entre alunos do segundo ano (48%). Há 20 anos, a cidade cearense tinha PIB per capita acima da média brasileira, o que destoava da eficiência do seu ensino.
As sugestões para superar esses obstáculos seriam políticas públicas regionais e focadas na educação, com atenção às necessidades de cada escola e localidade. “Por exemplo, o fornecimento de tablets para os alunos do ensino fundamental não deve ser prioridade em locais onde faltam merenda, transporte escolar, infraestrutura adequada”.
Entre os caminhos para alavancar a qualidade educacional, a estudiosa destaca o estreito acompanhamento do aluno, mais tempo na escola, valorização do professor, garantia de condições para que o estudante possa frequentar as aulas e maior interação entre a família e o colégio.