Sabe quando você, depois de procurar por um produto ou serviço na Internet, começa a receber anúncios similares ao que pesquisou? Como será que os anunciantes sabem o que estamos querendo? Quem informa o Youtube sobre os vídeos que provavelmente vamos gostar? Quem montou aquela playlist no Spotify com as músicas que realmente nos emocionam? Como a Netflix cria aquele rol de filmes e séries que nos obriga a maratonar? Ou, então, como o Facebook consegue reconhecer rostos em fotos e sugere a marcação de amigos nas minhas postagens?
Para as corporações que lidam com dados digitais, os “rastros” da sua navegação e escolhas têm um valor imenso. Essas empresas associam os algoritmos a outros conceitos da computação, como Ciência de Dados e Inteligência Artificial. Ciência de dados consiste em usar o potencial das máquinas computacionais para analisar e extrair conhecimento de um grande volume de dados. Por sua vez, a Inteligência Artificial cria algoritmos que aprendem com base nas conclusões e análises da ciência de dados. Juntas, permitem que uma máquina computacional compreenda e imite, em algum grau, o comportamento e a inteligência humana.Normalmente, quando você usa esses produtos ou serviços, o histórico de navegação é armazenado, formando uma espécie de “rastro digital”. E se você desconfia que esse rastro é analisado para adivinhar as suas preferências, acertou! Quem faz esse trabalho para as empresas são as Ciências da Computação, por meio de um de seus conceitos elementares, o algoritmo: uma sequência de instruções que é usada para resolver um determinado problema.
“O volume e o fluxo de dados gerados pela gestão das escolas, trabalho dos professores e aprendizagem dos estudantes em ambientes online é, hoje, uma das maiores fronteiras do campo da Computação como ciência aplicada”
Atualmente os algoritmos estão em absolutamente todo lugar, e eles assumem um papel cada vez mais importante na nossa vida. Imagine, por exemplo, que você resolveu ir a uma sorveteria, e decidiu pesquisar no Google para encontrar algumas opções. Em situações como essa, quantas vezes você chegou a olhar a segunda ou a terceira página de resultados? Raramente, né? Você confere duas ou três opções, olha as estrelinhas da avaliação e segue a vida. Em alguma medida, foi o algoritmo de buscas da empresa que definiu o sorvete que você vai tomar.
Mas esse conhecimento todo não se restringe a definir melhores caminhos até a sorveteria, ou escolher a trilha sonora que vamos ouvir até lá. Quando falamos de educação a distância, ensino remoto ou o uso de tecnologias na educação, a ciência de dados e a inteligência artificial também estão presentes. O volume e o fluxo de dados gerados pela gestão das escolas, trabalho dos professores e aprendizagem dos estudantes em ambientes online é, hoje, uma das maiores fronteiras do campo da Computação como ciência aplicada.
Onde a ciência de dados encontra a educação
Nesse contexto, surge o conceito de Learning Analytics (LA), ou em português, Análise de Dados da Educação. Essa é a área de trabalho dos profissionais de computação que utilizam recursos e técnicas da ciência de dados e inteligência artificial para analisar os rastros digitais que as pessoas deixam ao usar as ferramentas e plataformas online de aprendizagem. A intenção é reconhecer os padrões de comportamento dos usuários, qualificar os recursos com os quais eles interagem e potencializar os resultados da experiência educativa. Com esse conhecimento, passaria a ser possível sugerir aos estudantes, professores e tutores as melhores estratégias a serem adotadas no uso dos ambientes online.
Atualmente, a learning analytics já é reconhecida como uma área importante para evolução das práticas educacionais mediadas por tecnologia. Suas aplicações são tão diversas quanto as necessidades dos responsáveis pela tomada de decisões nos ambientes educacionais, envolvendo atividades como: análise e monitoramento do desempenho dos estudantes; análise preventiva com o objetivo de identificar comportamentos associados à evasão; tutoria inteligente, cujo intuito é guiar os estudantes no processo de aprendizagem; adaptação e personalização dos ambientes de aprendizagem às preferências e necessidades dos estudantes; recomendação de conteúdos e recursos educacionais, levando em consideração o perfil do estudante; e a sugestão de diretrizes para a criação de abordagens pedagógicas ou estrutura curricular, com o propósito de otimizar a aprendizagem em ambientes online.
“A concepção e aplicação da análise de dados educacionais não deve levar em consideração apenas os interesses que as regem, mas, e principalmente, as teorias pedagógicas que as fundamentam e legitimam”
As intervenções realizadas pelos membros envolvidos no processo de ensino e aprendizagem com base na análise dos dados educacionais costumam ocorrer em dois momentos centrais. Por um lado, as ações podem ser realizadas no final do processo educativo, por exemplo, para apoiar etapas como a avaliação dos alunos; assim, as conclusões serão usadas nas futuras iniciativas formativas. De outro modo, ações também podem ocorrer ao longo das atividades de ensino e aprendizagem, com a intenção de modificá-las, oferecendo, por exemplo, feedback e recomendações aos alunos, avisos preventivos ao professor sobre o andamento da aprendizagem, ou apoio para a personalização do ambiente online com o objetivo de adaptá-lo ao perfil do aluno. Essas perspectivas oferecem duas possibilidades distintas para a tomada de decisão no processo pedagógico com base nos resultados das análises: uma postura mais moderada que visa aperfeiçoar o processo de ensino no futuro, ou uma conduta mais incisiva que busca aprimorar as ações formativas no momento em que elas ocorrem.
Apesar de ser uma área em que as técnicas computacionais possuem um papel determinante, é preciso ter em mente que learning analytics trata, sobretudo, de educação. A concepção e aplicação da análise de dados educacionais não deve levar em consideração apenas os interesses que as regem, mas, e principalmente, as teorias pedagógicas que as fundamentam e legitimam. A conexão com tais teorias, além de possibilitar o entendimento dos fenômenos de aprendizagem e contribuir com uma melhor interpretação dos dados da educação, possibilitam que os resultados da learning analytics sejam usados para sugerir os princípios que guiam a criação ou aperfeiçoamento dos ambientes educacionais, de objetos de aprendizagem e também auxiliam na transformação das informações obtidas nas atividades em ações voltadas às áreas pedagógicas.
As três lentes teóricas da learning analytics
Em sua relação com a Pedagogia e a Psicologia da Educação, a área de learning analytics tem sido guiada principalmente por três lentes teóricas: as de base comportamentalista, as de orientação cognitivista e as chamadas contextuais. Pesquisadores que trabalham na fronteira Educação-Computação costumam usar a palavra “lentes” para se referir às teorias usadas nas técnicas de learning analytics. Da mesma forma que um fotógrafo pode usar uma certa lente na câmera para tirar fotos sob determinadas condições de luz, uma teoria educacional seria mais adequada para compreender a aprendizagem em um certo ambiente do que em outro – a depender dos tipos de dados que oferecem e dos objetivos da análise. Quando os computadores começaram a ser usados em espaços educativos, a aprendizagem era vista como uma mudança de comportamento. A partir de lentes comportamentalistas, os pesquisadores se concentraram nas respostas dos indivíduos ao ambiente e nas possíveis formas de condicionar as respostas desejadas.
A partir da segunda metade do século XX, a psicologia cognitivista repercute na Pedagogia e orienta o foco para os processos mentais que influenciam o processamento e armazenamento de informações. À frente, a elaboração das proposições construtivistas e elementos da Pedagogia Histórico-Crítica compõem a lente contextual, a partir do que se compreende a aprendizagem como resultado de um processo social, coletivo, delineado a partir de interações e colaborações que ocorrem em grupo, mediadas por recursos de linguagem diversos. Cada lente teórica oferece aos pesquisadores um “filtro” para se concentrar em diferentes abordagens ou perspectivas de aprendizagem. Isso quer dizer que a característica de uma plataforma de aprendizagem ou de um objeto virtual específico, por exemplo, dependerá dos objetivos das instituições e profissionais envolvidos em sua concepção, desenvolvimento e aplicação.
“Ainda são poucos os casos de uso de learning analytics que apresentem resultados práticos consistentes, obtidos pelo uso contínuo de técnicas ou em contato real com alunos e professores, sobretudo no Brasil”
Em relação à aplicação prática das técnicas de learning analytics, os países que possuem resultados mais significativos são os de língua inglesa, como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália. Um caso de sucesso reconhecido é o da Nottingham Trent University (NTU), no Reino Unido, que criou um sistema para aprimorar a experiência de aprendizagem de seus 28.000 alunos, com o objetivo de diminuir a evasão e aumentar o sentimento de pertencimento à comunidade acadêmica. Antes do sistema, um terço dos alunos do primeiro ano considerava deixar o curso em algum momento. Eles eram menos confiantes, menos engajados nas atividades online e procuravam menos os professores. O sistema criado passou a enviar um alerta por e-mail aos professores quando o engajamento do aluno diminuía ou era interrompido por duas semanas. Os alunos podiam acessar o sistema para acompanhar o seu engajamento: dois gráficos mostravam o progresso individual e o comparativo com a média da turma; professores puderam detalhar a participação em atividades de alunos com baixo engajamento.
A análise de dados dos ingressantes no primeiro ano mostrou que o engajamento era um indicador de desempenho mais importante do que a classificação no vestibular. Estudos com acadêmicos do último ano mostraram que alunos com alto engajamento tinham um índice duas vezes maior de obtenção de diplomas de primeira classe (mínimo de 75% de aproveitamento nas notas), quando comparados com alunos de engajamento médio ou baixo. Além disso, quase um terço dos alunos disse que mudaram seu comportamento ao longo do semestre letivo em resposta aos dados apresentados pelo sistema.
A adoção de learning analytics na América Latina ainda é pequena quando comparada à América do Norte e Europa, e poucos estudos analisam sua efetividade no contexto brasileiro. Contudo, é possível citar algumas iniciativas aplicadas no ensino superior. É o caso da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, que usou uma ferramenta para analisar dados de mais de dois mil alunos de dezoito cursos superiores de educação a distância, com o objetivo de detectar comportamentos de risco relacionados à evasão ou ao baixo desempenho. A aplicação analisou os dados dos alunos, como suas interações com o ambiente online e participação em fóruns de discussão. Semanalmente eram apresentados relatórios com os dados de alunos em situação de risco aos professores, que por sua vez forneciam apoio pedagógico com intervenções de acolhimento e atenção com o intuito de reverter esse comportamento. Resultados mostraram que o sistema conseguiu detectar mais de 80% dos alunos com comportamento de risco.
Nesses termos, learning analytics vem se mostrando uma ferramenta importante para o monitoramento das relações de ensino e aprendizagem, podendo repercutir positivamente nesses processos. Mas, ainda são poucos os casos de uso de learning analytics que apresentem resultados práticos consistentes, obtidos pelo uso contínuo de técnicas ou em contato real com alunos e professores, sobretudo no Brasil. Nossas universidades poderiam mitigar o problema da evasão e reprovação com o auxílio desse recurso, integrando-o em seus ambientes virtuais para monitorar o desempenho dos estudantes e identificar com mais rapidez e eficiência situações e comportamentos associados, por exemplo, à evasão. Para tanto, cabe o esforço de se fazer conhecer esses instrumentos pela comunidade acadêmica, buscando superar seus desafios técnicos e custos financeiros.
Nem tudo são flores sobre as learning analytics
Apesar da reconhecida importância da área de learning analytics, como você já deve ter imaginado, nem tudo são flores: questões como a propriedade e o acesso às informações pessoais representam grandes desafios na era da análise de dados da educação. A amplitude com que as tecnologias digitais coletam informações privadas das plataformas tecnológicas torna as questões éticas e de privacidade particularmente importantes. Estudos acadêmicos têm começado a compreender a análise de dados educacionais a partir de dimensões éticas, jurídicas e econômicas, por exemplo. Isso implica no debate sobre o estabelecimento de diretrizes que mostrem como e quais dados pessoais são coletados, armazenados, analisados e apresentados às diferentes partes interessadas, como estudantes, professores, equipe pedagógica, gestores, mantenedores e investidores.
Obviamente, pesquisadores precisam levar em consideração essas questões de proteção de dados e pesquisas com seres humanos à medida que coletam e analisam dados educacionais, pois é fundamental garantir a confidencialidade e segurança das informações envolvidas.
“Legislações específicas e políticas públicas são necessárias, portanto, e algumas iniciativas já começam a repercutir”
Legislações específicas e políticas públicas são necessárias, portanto, e algumas iniciativas já começam a repercutir. Os estudos sobre learning analytics no Brasil, por exemplo, devem ser realizados no âmbito da Lei Geral de Proteção de Dados, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, e também de diretrizes que regem especificamente a análise de dados da educação.
O avanço da educação online, especialmente entre os adultos, e a profusão do uso de recursos e plataformas digitais por alunos e professores, em todos os níveis e modalidades de ensino, tende a tornar a Learning analytics uma área de estudos e pesquisas de primeira importância. É certo que o desenvolvimento da análise dos dados da educação contribuiu para a construção de melhores ambientes de aprendizagem e para a tomada de decisões que aperfeiçoam a experiência do processo educativo mediado por tecnologia. Mas, se o futuro é promissor, como parece, ele também representa um desafio, pois dependerá da articulação de um diálogo colaborativo, criativo e consciencioso entre a Computação, o Direito e a Pedagogia.
Existe bibliografía a respeito do tema que podamos acessar?
Oi Lídia,
sim, existe um vasto material disponível sobre Learning Analytics. A princípio, vou te indicar três referências que usamos na composição deste artigo.
Rigo, S. J., Cambruzzi, W., Barbosa, J. L., & Cazella, S. C. (2014). Aplicações de Mineração de Dados Educacionais e Learning Analytics com foco na evasão escolar: oportunidades e desafios. Revista Brasileira de Informática na Educação, 22(01), 132.
Salas‐Pilco, S. Z., & Yang, Y. (2020). Learning analytics initiatives in Latin America: Implications for educational researchers, practitioners and decision makers. British Journal of Educational Technology, 51(4), 875-891.
Cechinel, C., Ochoa, X., Lemos dos Santos, H., Carvalho Nunes, J. B., Rodés, V., & Marques Queiroga, E. (2020). Mapping Learning Analytics initiatives in Latin America. British Journal of Educational Technology, 51(4), 892-914.